quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

1721 - «EU EM 1951» MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS

1721

«EU EM 1951...»

Eu em 1951 apanhando (discretamente) uma beata valiosa
num café da baixa por ser incapaz coitados deles
de escrever os meus versos  sem realizar de facto
neles, e à volta sua, a minha própria unidade
-- fumar, quere-se dizer.

Esta, que não é brilhante, é que ninguém esperava
ver um livro em versos. Pois é verdade. Denota
a minha essencial falta de higiene (não de tabaco)
e uma ausência  de escrúpulo  (não de dinheiro) notável.

O Armando, que escreve à minha frente
o seu dele poema, fuma também.

Fumamos como perdidos escrevemos perdidamente
e nenhuma posição  no mundo (me parece) é mais alta
mais espantosa e violenta incompatível e reconfortável
do que esta de nada dar pelo tabaco dos outros
(excepto coisas como vergonha, naturalmente, 
e mortalhas)

(Que se saiba) é esta a primeira vez
que um poeta escreve tão baixo (ao nível das priscas dos outros)
Aqui, e em parte mais nenhuma, é que cintila o tal condicionalismo
de que há tanto  se fala e se dispõe
discretamente (como quem as apanha).

Sirva tudo de lição aos presentes e futuros
nas taménidas (várias) da poesia local 
-- Antes andar por aí relativamente farto
antes para tabaco que para Cesarine
(Mário) de Vasconcelos.
                       (Discurso sobre a Reabilitação, etc, in Poesia)

MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

1719 «RETRATO» LUÍS AMARO

1719

RETRATO

Um silêncio, um olhar, uma palabra:
Nasceste assim na minha vida,
Inesperada flor de aroma denso,
Tão casual e breve...

Já te vIsionara no meu sonho,
Imagem de segredo, esparsa ao vento
Da noite rubra, delicada, intacta,
E pressentira teu hálito na sombra
Que minhas mãos desenham, inquietas.

Existias em mim ... O teu olhar 
Onde cintila, pura, a madrugada,
Guardara-o no meu peito, ó invisível,
Flutuante apelo das raizes
Que teimam em prender-te, minha vida!

                                (In Árvore nº.1)

LUÍS  AMARO