sábado, 2 de abril de 2016

1725 - «SEIS POEMAS DA TERRA» ANTÓNIO RAMOS ROSA

1725

SEIS POEMAS DA TERRA

Ó verde caminho de oiro
pequeno na memória
de duas lágrimas.

Bebo pelos olhos as linhas 
desse caminho de vinho.
                     o
Terra nos joelhos
quente
até às axilas.

Terra como um mar
e montes
palmas de simplicidade bêbeda
terra nas mãos seios
de alegria.

Em pé estou de borco sobre a terra.
                      o
Abro os olhos
e a terra é verde.

Enlaço troncos
e o mundo é meu.

Beijo folhas
e o amor é meu.   
                      o
Vinho contido em si mesmo
po ti bebo o vinho do teu corpo.

Bebo a terra pelos ombros.
                     o
É uma claridade de página
matinal.
                     o
Estou deitado em ti como na terra.
Respiro a suavidade dum monte.

ANTÓNIO RAMOS ROSA







terça-feira, 22 de março de 2016

1724 «HOJE LEVANTO A GUERRA» ANTÓNIO ARAGÃO

1724

«HOJE LEVANTO A GUERRA»

hoje levanto a guerra no teu palpite
e jogo o teu perfil no totobola.

é de (tr)eva
o sangue que de ti se me inclina.

então encosto-me ao (ru)ído  do teu corpo
e mais exactamente
entre ti e a gramática disso (gu)ardo
um jogo (conde)nado.

e hoje pago um pássaro sem voo nem
alimento.
ah mas a verdade de tudo isto é que
em janeiro tocarei telefonia.

ANTÓNIO ARAGÃO




segunda-feira, 7 de março de 2016

1722 - «HOMENAGEM A TITUS LUCRETIUS CARUS» NATÁLIA CORREIA

1722

HOMENAGEM A TITUS LUCRETIUS CARUS

Acha-se a terra cheia de fome.
Bate num ventre. Pede comida.
Parte-se um ovo. Sai-nos um nome
E sete rosas como medida.

Dão-nos um dentro como opala
(Só o pretexto dum cofre forte)
Não vá a gente  encher a mala
Com mais tesouros que ela suporte.

E carregamos a travessia
Com o deus-travão que a demora;
Pois é da nossa pedra fria
Que o paraíso se evapora.

E se a torneira dum cotovelo 
Dá mais estrelas do que uma couve,
É porque a morte no nosso pêlo
Toca uma arpa que não se ouve.


NATÁLIA CORREIA

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

1721 - «EU EM 1951» MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS

1721

«EU EM 1951...»

Eu em 1951 apanhando (discretamente) uma beata valiosa
num café da baixa por ser incapaz coitados deles
de escrever os meus versos  sem realizar de facto
neles, e à volta sua, a minha própria unidade
-- fumar, quere-se dizer.

Esta, que não é brilhante, é que ninguém esperava
ver um livro em versos. Pois é verdade. Denota
a minha essencial falta de higiene (não de tabaco)
e uma ausência  de escrúpulo  (não de dinheiro) notável.

O Armando, que escreve à minha frente
o seu dele poema, fuma também.

Fumamos como perdidos escrevemos perdidamente
e nenhuma posição  no mundo (me parece) é mais alta
mais espantosa e violenta incompatível e reconfortável
do que esta de nada dar pelo tabaco dos outros
(excepto coisas como vergonha, naturalmente, 
e mortalhas)

(Que se saiba) é esta a primeira vez
que um poeta escreve tão baixo (ao nível das priscas dos outros)
Aqui, e em parte mais nenhuma, é que cintila o tal condicionalismo
de que há tanto  se fala e se dispõe
discretamente (como quem as apanha).

Sirva tudo de lição aos presentes e futuros
nas taménidas (várias) da poesia local 
-- Antes andar por aí relativamente farto
antes para tabaco que para Cesarine
(Mário) de Vasconcelos.
                       (Discurso sobre a Reabilitação, etc, in Poesia)

MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

1719 «RETRATO» LUÍS AMARO

1719

RETRATO

Um silêncio, um olhar, uma palabra:
Nasceste assim na minha vida,
Inesperada flor de aroma denso,
Tão casual e breve...

Já te vIsionara no meu sonho,
Imagem de segredo, esparsa ao vento
Da noite rubra, delicada, intacta,
E pressentira teu hálito na sombra
Que minhas mãos desenham, inquietas.

Existias em mim ... O teu olhar 
Onde cintila, pura, a madrugada,
Guardara-o no meu peito, ó invisível,
Flutuante apelo das raizes
Que teimam em prender-te, minha vida!

                                (In Árvore nº.1)

LUÍS  AMARO