sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

1242 - PEDRO TAMEN - POEMA

1242
Só dos Mortos Devemos Ter CiúmesSó dos mortos devemos ter ciúmes; acordar 
de entre as pedras doentes dolorosos 
que da beira das arribas nos atirem ao porto 
onde enfim se encontre a nossa angústia. 
Só eles lutam palmo a palmo pelo espaço 
em que já vertical erguemos nosso braço 
em busca de que sumo ou de que céu. É que só eles 
nos retiram da cama de que por nós foi feita 
a escolha: a macieza intensa que julgámos 
eterna, que nos parecia tão cordatamente 
entregue à nossa própria suma sumaúma. 
Só os mortos, horror, inda que vivos, vivem 
paredes meias com os nossos dedos, logo afastam 
os momentos ferozes que tocássemos, e as nuvens 
por sobre o mar dos olhos: é bem feito, 
dizem os meninos. Pois que dos vivos vivos 
a vida nos desvia e nisso nos conduz, assaz 
encaminhados pelo que vamos querendo. 
Só os mortos nos mordem, nos apontam 
a dedo frio e tenso, entorpecem desejos 
e, pois pior, só eles nos expulsam 
do vero som dos sinos numa entrega 
às palavras baldadas do comércio. 
A luta clara que sonhada fosse 
pela mão dada e limpa que nos dessem 
tropeça, polvo, com misérias nossas 
e enterra-te na pérfida, agoniada leira 
onde dominam eles nossas bocas e o sangue 
que nelas perpassasse. Só os mortos, 
invisíveis, letais, pesados entes, 
nos disputam a vida, e só por fim nos matam. 

Pedro Tamen, in "Agora, Estar"

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