sexta-feira, 17 de agosto de 2012

651-CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

651-BALADA DO AMOR ATRAVÉS DAS IDADEDES
Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais. 
Eu era grego, você troiana, 
troiana mas não Helena. 
Saí do cavalo de pau 
para matar seu irmão. 
Matei, brigámos, morremos. 

Virei soldado romano, 
perseguidor de cristãos. 
Na porta da catacumba 
encontrei-te novamente. 
Mas quando vi você nua 
caída na areia do circo 
e o leão que vinha vindo, 
dei um pulo desesperado 
e o leão comeu nós dois. 

Depois fui pirata mouro, 
flagelo da Tripolitânia. 
Toquei fogo na fragata 
onde você se escondia 
da fúria de meu bergantim. 
Mas quando ia te pegar 
e te fazer minha escrava, 
você fez o sinal-da-cruz 
e rasgou o peito a punhal... 
Me suicidei também. 

Depois (tempos mais amenos) 
fui cortesão de Versailles, 
espirituoso e devasso. 
Você cismou de ser freira... 
Pulei muro de convento 
mas complicações políticas 
nos levaram à guilhotina. 

Hoje sou moço moderno, 
remo, pulo, danço, boxo, 
tenho dinheiro no banco. 
Você é uma loura notável, 
boxa, dança, pula, rema. 
Seu pai é que não faz gosto. 
Mas depois de mil peripécias, 
eu, herói da Paramount, 
te abraço, beijo e casamos. 

Carlos Drummond de Andrade, in 'Alguma Poesia'

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