sexta-feira, 6 de março de 2015

1624 - «FRÍGIDA» - CESÁRIO VERDE

1624

         FRÍGIDA

                            I

Balzac é meu rival, minha senhora inglesa!
Eu quero-a,  porque odeio as carnações redondas!
Mas ele eternizou-le a singular beleza
E e eu turbo-me ao deter seus olhos cor das ondas.

                          II

Admiro-a. A sua longa e plácida estatura
Expõe a majestade austera dos Invernos.
Não cora no seu todo c. tímida candura;
Daçam a paz dos Céus e o assombro dos infernos

                       III


Eu vejo-a caminhar, fleumátca, irritante,
Numa das mãos franzindo um lenço de cambraia!...
Ninguém me prende assim, fúnebre, extravagante,
Quando arregaça e ondula a preguiçosa saia!

                      IV

Ouso esperar, talvez, que o seu amor me acoite,
Mas nunca a fitarei duma maneira franca;
Traz o esplendor do Dia e a palidez da Noite,
E, como o sol, dourada, e, como a Lua, branca!

                      V


Pudesse-me eu prostar, num meditado impulso,
Ó gélida mulher bizarramente estranha,
E trémulo depor os lábios no seu pulso,
Entre a macia luva e o punho de bretanha! ...

                      VI

Cintila no seu rosto a lucidez da jóias.
Ao encarar consigo, a fantasia pasma;
Pausadamente lembra o silvo das jibóias
E a marcha \demorada e muda dum fantasma.

                   VII

Metálica visão que Charle Baudelaire
Sonhou e pressentiu nos seus delírios mornos,
Permita que eu lhe adule a distinção que fere,
As curvas da magreza e o lustre dos adornos!

                   VIII

Deslize como um astro, um astro que declina;
Tão descansada e firme é que me desvaria,
E tem a lentidão duma corveta fina
Que nobremente vá num mar de calmaria.

                   IX

Não me imagine um doido. Eu vivo como um monge
No bosque das ficções, ó grande flor do Norte!
E, ao persegui-la, penso acompanhar de longe
O sossegado espectro angélico da Morte!

                    X

O seu vagar oculta uma elastecidade
Que deve dar um gosto amargo e deleitoso,
E a glacial impassibilidade
Exalta o meu desejo e irrita o meu nervoso.

                  XI

Porém, não arderei aos seus contactos frios,
E não me enroscará nos serpentinos braços:
Receio suportar febrôes e calafrios;
Adoro no seu corpo os movimentos lassos.

               XII

E se uma vez me abrisse o colo transparente,
E me osculasse, enfim, flexivel e submissa,
Eu julgaria ouvir alguém, agudamente,
Nas trevas a cortar pedaços de cortiça!

CESÁRIO VERDE


                    

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