sábado, 1 de novembro de 2014

1536 - «A MIRAGEM» CAMILO PESSANHA

1536

A MIRAGEM

Parei a cogitar. No meu cabelo
Torvelinhava um vento de oração...
-- Qual a acha que ardeu, feita carvão.
-- A água que esfriou, tornada gelo.

Ajoelhei. O meu peito era um vulcão.
No céu lagrimejava o sete-estrelo...
E o seu fino perfil pude inda vê-lo,
Num halo de pudor e devoção

Mas no meu coração, ardente lava,
Uma nuvem errática poisava,
E que longe obumbrou saudosas fráguas;

Hóstia santa de luz, desfeita em chuva,
Qual beguina de amor, de Deus viúva,
Num rosário a rezar, vertendo águas.

CAMILO PESSANHA


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