segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

1560 - «NOS CAMINHOS DA VIDA» - FERNANDO GUEDES

1560

«NOS CAMINHOS DA ALDEIA....»

Nos caminhos da aldeia
germina a lama que o Inverno semeou.
Soltos, cabelos grossos cobrem corpos mortos.
Faminta, a criança trinca inùtilmente
a murcha flor do cardo.
No lagar, homens sem vindima
esmagam grainhas ressequidas.
Pelos montes, uma recordação ténue
agita o femo levemente;
a mulher mais  velha
guarda na memória, a imagem de uma avó,
um coração ardendo na lareira.
Acendem-se as lâmpadas ao escurecer,
antes da primeira estrela.
Para lá de janelas abertas
desconhecidos encontram-se nos leitos.
Os carros de bois passam vazios no caminho,
sem ruído, na lama.
Paz sem espada
Só na torre a torre,
uma rosa mantendo seu perfume.
Pela porta inviolada
escapam-se as palavras,
uma a uma,
formando o discurso,
o canto, o cântico da flor
possuída no princípio dos caminhos:
Firmei minhas raízes
sobre a tua cabeça
e elevei-me,
oliveira a florir no campo,
plátamo junto ao rio.
Cedo ao discurso, ao canto,
para encaminhar teu ardor
para o meu perfume
forte, sedutor como a canela.
Sou a torre e a porta,
sou a rosa.

E coloca um sinal sobre o teu coração:
por ti nasceu a novilha
entre o tojo rapado.
Ifigénia fugiu mas eu fiquei
-- em breve terás vento,
apresta teus navios prà batalha.
No golpe mais forte de uma espada,
na lama que o teu ódio levantar,
na hora do saque, tu me encontrarás:
sou mais ágil do que o teu movimento
e todas as riquezas estão em minhas mãos.

Repousa na vitória deste encontro.
Trago comigo as tuas sete feridas:
vou levar-te para tua tenda,
cobrir o teu sono com os meus cabelos.
Passados os três dias e as noites,
ao acordar, ver-me-ás no centro da luz.
sentada à tua porta.
Não procures a torre
nem a flàmula da rosa:
eu estou
como sempre fui,
te deslumbrará.

           (Caule, Flor e Fruto)

FERNANDO GUEDES

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