quarta-feira, 20 de maio de 2015

1670 - (Dincas. Sudão) - HERBERT HELDER

1670

(Dincas. Sudão)

No tempo em que Deus criou todas as coisas.
criou o sol.
e o sol nasce, e morre, e volta a nascer;
criou a lua.
e a lua nasce, e morre, e volta a nascer;
criou as estrelas.
e as estrelas nascem, e morrem, e voltam a nascer;
criou o homem.
e o homem nasce, e morre, e não volta a nascer.

HERBERT HELDER


terça-feira, 19 de maio de 2015

1669 - «A JOÃO DE DEUS» ANTERO DE QUENTAL

1669

A JOÃO DE  DEUS

Se é lei, que rege o escuro pensamento,
Ser vã toda a pesquisa da verdade,
Em vez da luz achar a escuridade,
Ser uma queda nova cada invento;

É lei também, embora cru tormento,
Buscar, sempre buscar a claridade,
E só ter como certa realidade
O que nos mostra claro entendimento.

O que há-de a alma escolher, em tanto engano?
Se uma hora crê de fé, logo duvida;
Se procura, só acha... o destino!

Só Deus pode acudir em tanto dano:
Esperemos a luz duma outra vida
Seja a Terra degredo, o Céu destino.


ANTERO DE QUENTAL

segunda-feira, 18 de maio de 2015

1668 - «MADRIGAL » CAMILO PESSANHA

1668

MADRIGAL

Aquela enorme frieza
Não entristeça ninguém...
Ela estende o seu desdém
À sua própria beleza:

Quando, solta do vestido,
Sai da frescura do banho,
O seu cabelo castanho,
Esse cabelo comprido,

(Que frio, que desconsolo!)
Deixa ficar-se pendente,
Em vez de, feito serpente,
Ir enroscar-se-lhe ao colo!


CAMILO PESSANHA

domingo, 17 de maio de 2015

1667 - PRAIA DE ALBUFEIRA ALGARVE - PORTUGAL

1667

PRAIA DE ALBUFEIRA - ALGARVE  (PORTUGAL)

1666 - «ASPIRAÇÃO» - ANTERO DE QUENTAL

1666

ASPIRAÇÃO

Meus dias vão correndo vagarosos
Sem prazer e sem dor, e até parece
Que o foco interior já desfalece
E vacila com raios duvidosos.

E bela a vida e os anos são formosos,
E nunca ao peito amante o amor falece...
Mas, se a beleza aqui nos aparece,
Logo outra sombra de mais puros gosos.

Minh´alma, ó Deus! a outros céus aspira:
 Se um momento a pretendeu mortal beleza,
É pela eterna Pátria que suspira...

Porém do pressentir dá-me a certeza,
Dá-ma! e sereno, embora a dor me fira,
Eu sempre bendirei esta tristeza!

ANTERO DE QUENTAL

quinta-feira, 14 de maio de 2015

1665 - «A SANTOS VALENTE»

1665

A SANTOS VALENTE

Estreita é do prazer na vida a raça:
Largo, como o oceano é largo e fundo,
E como ele em venturas infecundo,
O cálice amargoso da desgraça.

E contudo nossa alma, quando passa
Incerta peregrina, pelo mundo,
Prazer só pede à vida, amor fecundo,
É com essa esperança que se abraça.

É lei de Deus  este aspirar imenso...
E contudo a ilusão impôs à vida,
E manda buscar luz e dá-nos treva!

Ah! se Deus acendeu um foco intenso
De amor e dor em nós, na ardente lida,
Porque a miragem cria...ou porque a leva?

ANTERO DE QUENTAL


terça-feira, 12 de maio de 2015

1663 - «LAMENTO» -

1663

LAMENTO

Um dilúvio de luz cai da montanha:
Eis o dia! eis o Sol! o esposo amado!
Onde há por toda a Terra um só cuidado
Que não dissipe a luz que o mundo banha?

Flor a custo medrada  em eterna penha.
Revolto o mar ou golfo congelado
Para quem paz e alívio o Céu não tenha?

Deus é pai! Pai de toda a criatura:
E a todo ser o seu amor assiste:
De seus filhos o mal sempre lembrado...

Ah! se Deus a seus filhos dá ventura
Nesta hora santa... e eu só posso ser triste...
Serei filho, mas filho abandonado!

ANTERO DE QUENTA

segunda-feira, 11 de maio de 2015

1662 - «DESCALÇA DE VIVER» - FERNANDO ECHEVARRIA

1662

DESCALÇA DE VIVER

Descalça de viver, andava sempre.
Enchia a rua quando não passava.
Mas, se passava, desfazia o tempo
e apagava a rua, os homens e as lágrimas.

Nem ela própria já vivia dentro
de si. A roupa que levava
tinha uma cor de triste e pensamento
que não se sente e não se vê. E nada

dela se via que não fosse um vento.
Nem um silvo ou perfume a denunciava.
Sabia-se, de certo, que vivia

porque o dia, a certas horas se quedava
pronto, parado, como não sendo dia.
Ela, descalça de viver, passava...

FERNANDO ECHEVARRIA

sábado, 9 de maio de 2015

1660 - «IGNOTO DEO» ANTERO DE QUENTAL

1660

«IGNOTO DEO»

Que beleza mortal se te assemelha,
Ó sonhada visão desta alma ardente,
Que reflectes em mim teu brilho ingente,
Lá como sobre o mar o Sol se espelha?

O mundo é grande --  e esta ânsia me aconselha
A buscar-te na Terra: e eu, pobre crente,
Pelo mundo procuro um Deus clemente,
Mas a ara só lhe encontra... nua e velha...

Não é mortal o que eu em adoro.
Que és tu aqui? olhar de piedade,
Gota de mel em taça de venenos...

Pura essência das lágrimas que choro
E sonho dos meus sonhos! se és verdade,
Descobre-te, visão, no Céu ao menos!
´
ANTERO DE QUENTAL



quinta-feira, 7 de maio de 2015

1658 - «RIO INFLEXIVEL» FERNANDO ECHEVARRIA

1658

RIO INFLEXIVEL


Margens de aroma. Em bloco
de formosura casta
me cingem. Mas não toco
corpos, porque me arrasta

necessária, uma força
recta de precisão.
Não há aroma que torça
vontade de razão.

E as flores, mortais
tempos de carne nua,
se oferecem demais,
Além de qualquer lua.

Longos corpos de aroma.
Fixos em cada aqui.
Por tão compacta soma
levo o meu rio de Ti.

FERNANDO  ECHEVARRIA



quarta-feira, 6 de maio de 2015

1657 - «NÃO DEVERÍAMOS MOSTRAR-NOS TÃO CRÍTICOS`» BERTOLT BRECHT

1657

NÃO DEVERÍAMOS MOSTRAR-NOS TÃO CRÍTICOS

Não deveríamos mostrar-nos tâo críticos
Entre o sim e o nâo
Não há tanta diferença como isso.
Escrever numa folha em branco
É bom
Mas não menos bom é dormir e comer à noite
A água fresca sobre a pele o vento
Os fatos bonitos
O ABC
Defecar
Falar de corda em casa de enforcado
È contrário à boa educaçâo
E marcar no meio do lixo
Uma nítida diferença entre
A argila e o esmeril
Não parece conveniente.
Ah,
E o que fizer alguma ideia
Do que é um céu estrelado
Esse
Pode muito bem calar o bico.

BERTOLT BRECHT

terça-feira, 5 de maio de 2015

1656 ALTO DOURO VINHATEIRO

1656

ALTO DOURO VINHATEIRO

1655 - «OS TEMPOS MODERNOS» - BERTOLT BRECHT

1655

OS TEMPOS MODERNOS

Os tempos modernos não começam de uma vez por todas.
Meu avô já vivia numa época nova.
Meu neto talvez ainda viva na antiga.

A carne nova come-se com velhos garfos.

Época nova não a fizeram os automóveis
Nem os tanques
Nem os aviôes sobre os telhado
Nem os bombardeiros.

As novas antenas continuam a difundir as velhas asneiras.
A sabedoria continuou a passar de boca em boca.

BERTOLT BRECHT


domingo, 3 de maio de 2015

1654 - «A ILHA DO LAGO INNISFREE» W. B. YEATS

1654

A ILHA DO LAGO DE INNISFREE

Partirei para Innisfree,
E aí uma cabana edificarei, uma cabana de argila e canas:
Plantarei nove renques de feijão  e haverá uma colmeia,
E  solidário entre o rumor das abelhas viverei.

Alguma paz desfrutarei, porque como lenta gota é a paz,
Desprendendo-se dos véus da manhã até ao lugar onde o grilo                                                                                                           canta;
Eis aí a meia-noite de esplendor, o meio-dia de fulgurante púrpura,
E uma plenitude de asas cantantes  o entardecer.

Ergo-me e vou, parto com a noite, parto com o dia,
Oiço as águas do lago, o seu murmúrio junto à costa;
Seja pelos caminhos, seja pelas sombrias ruas,
Oiço esse murmúrio no mais fundo coração.

THE LAKE ISLE OF INNISFREE

I will arise and go  now, and go  to Innisfree,
And a small cabin build there, of clay and wattles made:
Nine bean-rows will  I have there, a hive for the honeybee
And live alone in the bee-loud glade.

And I shall have some peace there, for peace comes
                                                                  dropping sllinnerow,
Dropping from the veils of the morning to where the
                                                        cricket sings;
There midnight´s all a glimmer, and noon a purple glow,
And evening full of the linnet´s wings.


I will arise and go now, for always night and day
I hear lake water lapping with low sounds by shore;
While I stand on the roadway, or on the pavements grey,
I hear it in the deep heart`s core

W.  B.  YEATS







                             

sexta-feira, 1 de maio de 2015

1652 - «QUANDO FORES VELHA» W. B. YEATS

1652

QUANDO FORES VELHA

Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,
Dormindo junto à lareira, toma este livro,
Lê-o devagar, o sonha com o doce olhar
Que outrora tiveram teus olhos, e suas sombras profundas;

Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto,
Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,
Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,
E amou as mágoas do teu rosto que mudava;

Inclinada sobre o ferro incandescente,
Murmura, com alguma tristeza, como o amor te abandonou
E em largos passos galgou as montanhas
Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.

WHEN YOU ARE OLD

When you are old and grey and ful of  sleep,
And nodding by the fire, take down  this book,
And slowly read, and dream of the soft look
Your eyes had once, of their shadows deep;

How many loved your moments of glad grace,
And loved your beauty with love false or true,
But one man loved the pilgrim soul in you,
And loved the sorrows of your changing face;

And bending down beside the glowing bars,
Murmur, a little sadly, how love fled
And paced upon the mountains overhead
And hid his face amid a crowd of stars.

W. B.  YEATS