quarta-feira, 29 de setembro de 2010

26-Salazarismo de má memória

26-Vasco Pulido Valente, Uma biografia de Salazar, Público, 05-09-10, excertos:

Saiu finalmente uma biografia de Salazar (a de Franco Nogueira era almanaque hagiográfico sem sentido ou valor). A biografia é de Filipe Ribeiro de Meneses, doutorado em Dublin e professor de uma universidade irlandeza. (...) vale a pena ler esta longa e minuciosa história do homem que governou, sem sombra nem rival, gerações sobre gerações de portugueses e conseguiu criar uma cultrura política que hoje ainda pesa - e pesa muito - na democracia que temos.

Para quem viveu sob Salazar - e já deve haver pouca gente - , o que falta nesta biografia é, naturalmente, a atmosfera do regime. Porque não existia uma ditadura, existiram milhares. Cada um de nós sofria sob o seu tirano, ou colecção de tiranos, na maior impotência. A família, a escola, a universidade, o trabalho produziam automaticamente os seus pequenos "salazares", que, como o outro exerciam uma autoridade arbitrária e defenitiva que ninguém se atrevia a questionar. A deferência - se não o respeito - por quem mandava era universal; e essa educação na humildade (e muitas vezes no vexame) fazia um povo obediente, curvado, obsequioso, que se continua a ver por aí na sua vidinha, aplaudindo e louvando os poderes do dia e sempre partidário da "mão forte" "que mete a canalha na ordem"

Só num ponto, essencial, Salazar perdeu. Queria um país resignado à pobreza cristã e Portugal, se continua pobre, não se resigna agora à pobreza com facilidade e abandonou a igreja. (...) E o mundo moderno desorganizou Portugal manso e miserável que ele com tanta devoção construira. O preço que pagámos pela ditadura desse provinciano mesquinho é incalculável.

Tomás Vasques

terça-feira, 28 de setembro de 2010

25 da Fonseca

                   RUAS DA CIDADE

25-Na  noite calada e quieta como um grande segredo,
andando ao deus-dará nestas ruas desertas,
saio lá do fundo do meu sonho
e olho ao redor de mim.
Cá fora há tudo o que não é do meu sonho:
o frio, e os prédios fechados,
e as ruas mortas como paisagens de cemitérios.
E a claridade fugidia dos candeeiros cansados,
como pálpebras que se vão fechar.
E o torpor saindo de todas as coisas
e pairando no ar, como um desmaio iminente...
Só eu tenho ainda passos para andar
e um não sei que de ternura
para todos que estão, para lá das paredes,
adormecidos e descuidados
à morte que espreita escondida no mistério da noite...

Em que casa e andar estará  dormindo
aquela de quem não sei o nome nem a vida,
mas decorei a cor dos cabelos e a melodia do corpo,
quando nos cruzámos esta manhã?
Nesse momento,
ou fosse porque chovia sol sobre a algazarra
das gentes que iam e vinham e se falavam e continuavam,
ou porque nos olhássemos de certa maneira que não saberei contar,
mesmo de longe, dissemos com os olhos, um para o outro:
 - Hoje é um dia de glória!
Mas tão estranho me pareceu
aquele milagre entre dois desconhecidos,
que nem voltei a cabeça para trás...
Agora, este desâmino sem nome
de quem traiu um dia inteiro de vida
e teima ir pela noite dentro
à espera nem sabe de quê...

De tantas horas iguais estou farto !

Mas ao fim e sempre a mesma esperança:
«um dia virá...»
E eu tenho a vida desarrumada
como se fosse um milionário bêbado,
ergo-me e saio para a rua deslumbrado
e ressucistado, todos os dias, ao amanhecer.
E vai a coisa tão certa como uma religião,
quando pressinto que me olham de todas as caras
como se espiassem um louco...
Onde estão ouvidos que entendam as minhas falas ?

E a noite vem encontrar-me deserto e abandonado...
Ah, um dia, quando a morte chegar,
hei-de erguer para ela os meus olhos molhados,
e hei-de contar-lhe a indiferença do mundo
e a amargura dos altos sonhos desfeitos...
 - assim como um menino fazendo queixas a sua mãe.

            Baudelaire

Devemos andar sempre bêbados.
Tudo se resume nisto: é a única
solução. Para não sentiress o
tremendo fardo do Tempo que te
despedaça os ombros e te verga
para a terra, deves embriagar-te
sem cessar. Mas com que? Com
vinho, com poesia ou com virtude,
a teu gosto. Mas embriaga-te. E se
alguma vez, nos degraus de um
palácio, sobre as verdes ervas duma
vala, na solidão morna do teu
quarto, tu acordares com a
embriaguês já atenuada ou
desaparecida, pergunta ao vento, à
onda, à estrela, à ave, ao relógio, a
tudo o que canta, a tudo o que
fala, pergunta-lhes que horas são:
 - São horas de te embriagares! Para
não seres como os escravos
martirizados do Tempo, embriaga-
te, embriaga-te sem cessar! Com
vinho, com poesia, ou com virtude,
a teu gosto.»
in O Spleen de Paris
Charles Baudelaire

terça-feira, 21 de setembro de 2010

24-O analfabeto político*


24
-"Não há pior analfabeto que o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. O analfabeto político é tão burro que se orgulha de o ser, e de peito feito, diz que detesta a política. Não sabe, o imbecil, que da sua ignorância política é que nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, desonesto, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo".

Bertolt Brecht (1898-1956)

DIFICULDADE DE GOVERNAR

                              1
Todos os dias os ministros dizem ao povo
Como é difícil governar. Sem os ministros
O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.
Nem um pedaço de carvão sairia das minas
Se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda
Mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra
Nunca mais haveri guerra. E atrever-se-ia  a nascer o sol
Sem autorização do Fuhrer ?
Não é nada provável e se o fosse
Ele nasceria por certo fora do lugar.

                              2
É também difícil, ao que nos é dito,
Dirigir uma fábrica. Sem o patrão
As paredes cairíam e as máquinas encher-se-iam de ferrugem.
Se em algures fizessem um arado
Ele nunca chegaria ao campo sem
As palavras avisadas do industrial  aos camponeses: quem,
De outro modo, poderia falar-lhes na existencia de arados ? E que
Seria da propriedade rural sem o proprietário rural ?
Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde havia batatas.

                             3
Se governar fosse fácil
Não havia necessidade de espíritos tão esclarecidos como os do Fuhrer.
Se o operário soubesse usar a sua máquina
E se o camponês soubesse distinguir um campo de uma forma para tortas
Não haveria necessidade de patrões nem de proprietários.
É só porque toda a gente é tão estúpida
Que há necessidade de alguns tão inteligentes.

                             4
Ou será que
Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira
São coisas que custam a aprender ?
                                                              Bertolt Brecht

O ANIMAL PREFERIDO PELO SENHOR KEUNER

Quando perguntaram ao senhor Keuner
Qual era o amimal que ele mais apreciava
Ele apontou o elefante e deu a seguinte razão:
O elefante alia a manha à força.
Não se trata da pobre manha suficiente
Para escapar a uma armadilha, ou subtrair
Sem dar nas vistas algo que comer, mas da manha
Que da força dispõee
Para grandes empresas. Larga é a pista
Que leva aos lugares por onde este animal passou. E todavia
Ele mantém a sua naturalidade, compreende os graçejos,
É tão bom amigo como bom inimigo. Muito grande, muito pesado,
Mas também muito rápido. A sua tromba introduz
Num corpo enorme os mais pequenos alimentos,
Inclusive as nozes. As suas orelhas são móveis:
Só ouve o que lhe convém.
Também vive por muitos e muitoa anos. É sempre sociável
E não só com os elefantes. Por toda a parte é amado
Tanto como temido.
Não deixa de ter graça
Que ele  chegue mesmo a ser venerado.
Tem a pele espessa. Nela
Se quebram facas. Mas o seu coração é meigo.
Pode entristecer-se
Pode encolerizar-se.
Gosta de dançar. Morre onde o bosque é mais espesso.
Gosta das crianças e de outros pequenos animais.
Tem a cor parda e só chama a atenção pela sua massa.
Não é bom para comer.
Pode trabalhar e, bem. Gosta de beber e fica alegre.
Faz qualquer coisa pela arte: fornece o marfim.
                                                                          Bertolt Brecht

                                                    " DO POBRE B. B.

     Filho de burgueses, de que cedo se separou; educado no protestantismo, que cedo renegou; militar a contragosto, que se viu obrigado a cuidar dos feridos da guerra que abominava; exilado em vários países durante quinze anos («mudando mais vezes de país do que de sapatos»), impedido de entrar na sua pátria, entretanto dividida; forçado a mudar de nacionalidade; habitante do «mundo oriental», que muitras vezes o aplaudiu e várias vezes o atacou ; (1) compatriota e contemporânio de Hitler; vítima e testemunha de duas guerras mundiais e de outras guerras -  de Brecht não se poderá dizer  que teve uma vida fácil, ou que nasceu e viveu tempos favoráveis.
           É preciso ter isso, antes de mais, em conta para poder compreender não só a sua poesia como também o sentido e a razão da sua actividade poética."

(1) Sabe-se de resto que ele nunca se inscreveu no Partido Comunista.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

22-O abade de Jazente

22-Hoje apetece-me fazer uma visita ao século XVIII e publicar no meu blog um ou dois sonetos  de PAULINO ANTÓNIO CABRAL, poeta de Amarante, freguesia de S. Prdro da Lomba. Era também conhecido como o abade de Jazente. (1719 - 1789)

Genealogia

Um dos meus visavós foi mercador;
Outro foi alfaiate oficial;
Outro tendeiro foi sem cabedal;
E outro, que juíz foi, foi lavrador;

O meu paterno avô foi professor
De latim, que ensisou ou bem ou mal;
E o materno viveu no seu casal,
De que ainda agora eu mesmo sou senhor.

Meu pai médico foi, e homem de bem;
Minha mãe Dom teria, porque enfim
Muitas menos do que ela agora o têm.

Abade fui eu; e se saber mim
Alguma coisa mais quiser alguém,
Saiba, que versos faço, e os faço assim.

Pruridos de nobreza

Eu não creio que a nossa Fidalguia
Procedesse d`Adão, que era um coitado,
Um paisano, que nunca andou calçado,
Um pobre, que de peles se vestia.

Não teve armas, brasões; nem possuia
Por prova de ser nobre algum Morgado;
O foro nunca viu; nem foi tratado,
Como agora se faz, com Senhoria.

Eva inda foi pior, pois na Escritura
Se não trata de Dom, nem de Excelência,
Nem se diz se das danças faz figura.

E assim venho a tirar por consequência,
Que estando hoje a nobreza em tanta altura
Não traz dele, nem dela a descendência.

O Mundo faz rir

Eu como, eu bebo, eu durmo, e sem receio
Do que há-de vir a ser, a vida passo,
Ora de Nize no gentil regaço,
Ora das Musas no sonoro enleio.

Às vezes pesco, às vezes jogo, ou leio,
E torres vãs também no vento faço;
Depois me vou meter naquele espaço,
Onde Descartes tinha o seu passeio.

De lá mil orbes vejo, e de improviso
Soltando ao pemsamento as vagas velas,
Turbilhões de cristal  sem medo piso.

E pondo-me por cima das estrelas,
Descubro a terra em baixo, e me dá riso,
Contemplando do mundo as bagatelas.

Megalomania Portuguesa

Quem te viu, quem te vê, ó Portugal!
Tão bárbaro, grosseiro, tosco, e vil!
Hoje estás mai polido, e mais civil,
À custa do teu próprio cabedal.

Algum dia poupavas teu real,
E fizeste já caso de um seitil;
Hoje gastas cruzados mil a mil,
Inda que a renda seja tal ou qual.

Lançou a astuta França o seu anzol;
E armando-se com isca ouropel,
Te vai pondo na espinha, e tudo ao sol.

Mas enquanto não chega o São Miguel,
Se houver dinheiro, irá ao rol;
Vai tu sempre fazendo o teu papel.

NICOLAU TOLENTINO
                          (1740-1811)
Nasceu em Lisboa a 10 de Setembro de 1740
e era estudado no meu 5ºano do liceu

    O colchão dentro do toucado

Chaves na mão, melena desgrenhada,
Batendo o pé na casa, a mãe ordena,
Que o furtado colchão, fofo e de pena,
A filha o ponha ali, ou a criada:

A filha, moça esbelta, e aperaltada,
Lhe diz co`a  doce voz, que o ar serena:
"Sumiu-se-lhe um colchão, é forte pena;
Olhe não fique a casa arruinada:"

"Tu respondes assim ? tu zombas disto ?
Tu cuidas que por ter pai embarcado,
Já a mãe não tem mãos ?" E dizendo isto,

Arremete-lhe à cara  e ao penteado;
Eis senão quando (caso nunca visto!)
Sai-lhe o colchão de dentro do toucado.      

sábado, 18 de setembro de 2010

21-A Justiça que temos

21-Tenho medo

A justiça, para nos protejer a todos, não pode assentar em convicções subjectivas, formadas no espaço público e sugeridas pelos media. Pelo contrário, a justiça tem não só de se basear em factos e em evidências verificáveis como abstrair-se do que a comunidade pensa.

Se me perguntarem qual é a minha prioridade na educação dos meus filhos, direi que é garantir que eles não têm medo. Medo físico, medo das personagerns assombrosas que lhes surgem nos sonhos, mas também que têm a coragem suficiente para fazerem face às tormentas com que se defrontarão ao longo da vida. Se tiverem confiança, o resto virá por acréscimo. Para parafrasear a escritora Natalia Ginzburg, em "Le picole virtú"  (infelizmente não traduzido em português), tendemos a ensinar às crianças muitas das pequenas virtudes (a poupança, a prudência, a astúcia, a diplomacia e o desejo de sucesso), mas nisso esquecemo-nos das grandes virtudes (a generosidade, o amor à verdade, a abnegação, a coragem e o desejo de saber mais).

Peço desculpa se, dito assim, parece uma questão privada, pouco adequada a uma coluna de opinião, por natureza pública. Infelizmente não é. Para que os meus filhos  - e, acrescento, os nossos filhos - não tenham medo, tenho também de lhes poder dizer que, se for caso disso, a lei estará do lado deles para os proteger. É isso que me leva a fazer em público uma confissão que é semiprivada: eu tenho medo da justiça em Portugal e o que se vai sabendo do famigerado processo Casa Pia só consolida as minhas inquietações.

Tenho, como provavelmente a maioria dos portugueses, convicções subjectivas sobre a culpabilidade ou inocência dos envolvidos no processo e sobre o que se ou não ter passado em toda esta história. Mas a justiça, para nos proteger; a todos, não pode assentar em convicções subjectivas, formadas no espaço público e sugeridas pelos media. Pelo contrário, justiça tem não só de se basear em factos e em evidências vereficáveis como abstrair-se do que a comunidade pensa.

Tudo o que não aconteceu ao longo do processo Casa Pia, marcado desde o início pelo justicialismo primário e pela construção de uma narrativa sobre a culpabilidade nos media. Oito anos passados, a única consequência palpável deste  processo é que têm sido somadas vítimas às vítimas de abusos sexuais. A última das quais é o próprio sistema de justiça.

Uma coisa é acreditarmos na culpa ou inocência deste ou daquele arguido, outra é termos a certeza de que, em democracia, é impensável que alguém possa ser condenado apenas com base em prova testemunhal não sujeita ao escrutínio crítico, quando todos  os outros elementos de prova ou não consolidaram os testemunhos ou contradiram-nos mesmo. É mesmo um daqueles casos em que é preferivel um culpado absolvido do que um inocente condenado. Mas não é apenas isso que está em causa.

É também um sentimento egoista. Eu quero ter a certeza de que se um dia alguém apontar o dedo aos meus filhos, dizendo que eles cometeram um crime hediondo do qual estão inocentes, eles poderão defender-se e que a justiça estará do lado deles. E que nunca, em circunstância alguma, poderão ser condenados se nãp ficar claro  como cometeram o crime, em que dia, em que lugar. Tudo o que seja diferente disto remete-nos para o reino da arbitraridade e só pode causar perplexidade. Mas, acima de tudo, dá-nos boas razões para termos medo. Muito medo.

Custa-me muito ter de educar os meu filhos num país onde a justiça funciona assim.
Pedro Adão e Silva (Expresso)

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

15-Eça de Queiroz

                                                                                                                           Junho 1871

15-LEITOR de bom senso, que abres curiosamente a primeira página deste livrinho, sabe, leitor celibatário ou casado, proprietário ou produtor, conservador ou revolucionário, velho patuleia ou legitimista hostil, que foi para ti que ele foi erscrito - se tens bom senso ! E a ideia de te dar assim todos os meses, enquanto quizeres, com páginas irónicas, alegres e justas nasceu no dia em que pudemos descobrir através da ilusão das aparências, algumas realidades do nosso tempo.

      Aproxima-te um pouco de nós, e vê.
      O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidarielidade entre os cidadãos. Já se não crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos vão abandonados a uma rotina dormente. O desprezo  pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta inderença de cima abaixo ! Todo o viver esperitual, intelectual, parado. O tédio invadiu as almas. A mocidade arrasta-se, envelhecida, das mesas das secretárias para as mesas dos cafés. A ruina económica cresce, cresce, cresce. O comércio definha. A indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.
     Neste salve-se quem puder a burguesia proprietária de casas explora o aluguel. A agiotagem explora o juro.
    De resto a ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro. O número das escolas só por si é dramático. O professor tornou-se um empregado de eleições. A população dos campos, arruinada, vivendo casebres ignóbeis, sustentandi-se de sardinha e de ervas trabalhan só para o imposto por meio de uma agricultura decadent,. leva uma vida de misérias, entrecortada de penhoras. A intriga política alastra-se por sobre a sonolência enfastiada do País Apenas a devoção pertubra  o silêncio da opinião, com padre-nossos maquinais.

     Não é uma existência, é uma expiação
     E a certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências.
Diz-se por toda a parte: «O País está perdido !» Ninguém se ilude, diz-se nos concelhos de ministros e nas estalagens. E que se faz ? Atesta-se, conversando e jogando o voltarete, que de norte a sul, no Estado, na economia, na moral, o País está desorganizado - e pede-se  conhaque  !
      Assim todas as consciências certificam a podridão !

      Nós não quizemos ser cúmplices na indeferença universal. E aqui começamos sem azedume e sem cólera, a apontar dia por dia o que poderámos chamar  - o progresso da decadência. Deveríamos fazê-lo com a indignação amarga dos panftetários ? Com a serenidade experimental de críticos ? Com a jovialidade fina de humoristas ?
      Não é verdade, leitor de bom senso, que neste momento histórico só há lugar para o humorísmo ? Esta decadência tornou-se um  hábito, quase um bem estar, para muitos uma indústria. Parlamentos, ministérios, eclesiásticos, políticos, exploradores, estão de pedra e cal na corrupção. O áspero Veillot não bastaria; Proudhon ou Vacherot seriam insuficientes. Contra este mundo é necessário ressuscitar as gargalhadas históricas do tempo de Manuel Mendes Enxúndia. E mais uma vez se põe a galhofa ao serviço da justiça !

           Aqui estamos pois diante de ti, mundo oficial, constitucional, burguês, doutrinário e grave !
Não sabemos se a mão que vamos abrir está ou não cheia cheia de verdades. Sabemos que está cheia de negativas.
         Não sabemos, talvez, onde se deve ir; sabemos, decerto onde se não deve estar.
         Catão, com pompeio e com César à vista, sabia de quem havia de fugir, mas não sabia para onde. Temos esta meia\ciência de Catão.
            Donde vimos ? Para onde vamos ? - Podemos apenas responder: Vimos donde vós estais, vamos para onde vós não estiverdes.




Pois é, Eça. Escreveste este texto no século XIX. Estamos no século XXI e devo dizer-te que o povo português continua a ser o burro de sempre. Não sei mesmo se algum dia passará de cavalgadura.






   

terça-feira, 14 de setembro de 2010

14-O país das maravilhas






14-A propósito das 7 maravilhas de Portugal

O País poderia ser realmente 1 maravilha com várias maravilhas que tem, mas infelizmente não é assim. O povo continua a ser pouco educado e cívico, a cuspir no chão a jogar lixo nas bermas das estradas nas vilas e auto-estradas, beatas e toda a espécie de lixo nas belas praias ao longo do litoral. A paisagem  nun raio de 50/60 kms é confrangedora. Nãp existem planos diretores  na maioria das vilas e cidades do país, basta viajar de combóio de Lisboa a Braga e observar a paisagem com que nos deparamos. Abandono dos terrenos, casas em decadência  junto à ferroviária, canaviais a esmo, pinheiros e eucaliptos plantados por organismos onde proliferam patos-bravos. Nunca entendi este concurso  "As sete maravilhas de Portugal" nerm para o que serve. Para divulgar Portugal já basta os imensos milhões gastos na campanha "Portugal. West Coast". É como a moda Lisboa só serve p+ara gastar os impostos que a malta paga, retorno é zero. Moda Lisboa, deixa-me ir...Acaso Lisboa algum dia pode equiparar-se  a Milão, Paris, New York ou Londres?
Melanie Lopes-Lisboa

sábado, 11 de setembro de 2010

13-CARTA A MEUS FILHOS*

               CARTA A MEUS FILHOS
      SOBRE OS FUSILAMENTOS DE GOYA

13-Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.

E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver.Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entrgues hipòcritamente à secular justiça,
para os que os liquidasse com suma piedade e sem efusão de sangue.

Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
à fome irrespondível que lhes roía  as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anònimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de uma classe , expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas tanbém aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas  maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.

Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadeia de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la.
É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez
alguém está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero.Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
 - mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -
não hão-de ser em vão. Confesso que
muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida , mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquelo objecto
que não fruiram, aquele gesto
de amor, que fariam «amanhã».
E, por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é só nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.
                                      
                              Jorge de Sena

terça-feira, 7 de setembro de 2010

12-ANTÓNIO GEDEÃO

12-Poema para Galileo

Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse  Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.

Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria...
Eu sei...eu sei...
As margens doces do Arno às horas paradas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!

Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até à gente que pensa
que entraste no calendário.

Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar-que disparate, Galileu!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação-
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados  são.

Poi é evidente, Galileu?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou um seixo da praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.

Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição
se tivesse tornado num perigo
para a humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.

Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas - parece-me que estou a vê-las -,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam  e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e descrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai Galileo!
Mal sabem os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo  Galilei.

Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto incessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
ininterruptamente,
na razão directa do quadrado dos tempos.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

11-OPINIÃO

11-O extremo da aberração

Há receitas para a felicidade?", perguntava, no Diário de Notícias, num dos seus habituais excelentes artigos, o padre Anselmo Borges. É uma busca quase desesperada, esta, que o ser humano empreende desde a idade da razão. O caminho para Deus é uma das hipóteses; a hipótese religiosa, bem entendido. Mas, pergunto, a hipótese política não conterá, em si mesma, algo de religioso? Saint-Just, na Convenção de Paris: "A Revolução Francesa proclama que a liberdade é uma ideia nova na Europa, e que a felicidade é possível entre os homens. "A liberdade e, por acréscimo, a felicidade proclamadas como decreto suscitam todo o tipo de apreensões. "Mas é um princípio", para relembrar o que escreveu o filósofo católico George Santayana.

Tudo está em aberto, como se pressupõe do artigo do padre Borges, aliás minha leitura semanal. É evidente, porém, que o combate à  desgraça, à injustiça, à corrupção, às iniquidades sociais configurará, sempre, uma possibilidade moral. E a consequente denúncia de um sistema predador, que torna o homem dependente de uma lógica económica insustentável, é uma imposição a que nenhum homem de bem, nenhuma instituição (como, por exemplo,  a Igreja) deve fugir. Essa imposição estabelece um compromisso consigo mesma, afinal um ponto decisivo para se questionar o processo histórico.

A fome, a exclusão são produtos típicos das novas relações de poder, nascidas da implosão do comunismo. As "regras práticas" indicadas num estudo  do pensador Richard D. Precht (desconheço quem seja) e referidas pelo padre Borges, consistem, afinal, na ocupação do cérebro pelo trabalho, na constituição da família, na fruição dos prazeres simples, , no entendimento das nossas limitações e da arte de saber lidar com as dificuldades. Há qualqyer coisa de passividade bucólica, nesta espécie de breviário da resignação, onde se lê estas frases surpreendentes: "Não se pode viver obcecado com o futuro. Quem só espera vir a ser feliz, nunca o será."

Pode-se, em recta consciência, acabar com a esperança que a ideia de futuro acalenta e e estimula? Não são "os  amanhãs que contam"; é a própia natureza do homem que o impele para a idealidade. Brecht: "Os homens são feitos da mesma matéria de que são feitos os sonhos." A felicidade não se promulga por decreto, mas deve ser uma demanda infatigável e intransigente num mundo que, inclusive, está a perder a fé no homem. Emmanuel Mounier, que muitos cristãos deviam ler com mão profusa, reinvindicava, simultaneamente a revolução esperitual e a revolução das estruturas.

A nossa infelicidade advém de tudo estar submetido à hierarquia do lucro, e de o lucro ter sido erigido à categoria de necessidade total da pessoa humana. Eis a aberração levada ao extremo.

BAPTISTTA-BASTOS

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

10- O´NEILL

                   10- PORTUGAL

Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,

jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rachinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cega-regra, do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!

                       *
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há «papo de anjo» que seja o meu que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós ...
                              ( Feira Cabisbaixa)