segunda-feira, 25 de outubro de 2010

020-CITAÇÕES

020-"Sede felizes; os amigos desaparecem quando somos infelizes"
                Eurípedes

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

30-GUERRA JUNQUEIRO - Balanço patriótico

                                         30Balanço patriótico

Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda  na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional - reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta;
         Um clero português, desmoralizado e materialista, liberal e ateu, cujo Vaticano é o ministério do reino, e cujos bispos e abades não são mais que a tradução em eclesiástico do furas-vidas que governa o distrito ou do fura-vidas que administra o concelho (1); e, ao pé deste clero indígena, um clero jesuítico, estrageiro ou estrangeirado, exército de sombras, minando, enredando, absorvendo, pelo púlpito, pela escola, pela oficina, pelo asilo, pelo convento e pelo confessecionário - força superior, cosmopolita, invencível, adaptando-se com elastecidade inteligente a todos os meios e condições, desde a aldeola  ínfima, onde berra pela boca epiléptica do fradalhão milagreiro, até à rica sociedade elegante da capital , onde o jesuitismo é um dandismo de sacristia, uma beatéria chic, virgem do tom, Jesus de high-life, prédicas untuosas (monólogos ao divino por Coquelins de fralda) e em certos dias, na igreja da moda, a bonita missa encantadora, - luz discreta, flores de luxo, paramentos raros, cadeiras cómodas, latim primoroso, e hóstia glacée, com pistache, da melhor confeitaria de Paris; não discriminando já o bem do mal, sem palavra, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedem, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro;
    Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do país, e exercido ao acaso da herança pelo primeiro que sai dum ventre, - como da roda da lotaria;
     A Justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara a ponto de fazer dela um saca-rolhas;
     Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, na hora do desastre, de sacrificar à monarquia ou meia livra ou uma gota de sangue, vivendo ambos do mesmo utilitarísmo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgamando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, - de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar.
        
          Basta, basta, chega, chega !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!         
 Se continuasse, eram precisas seis páginas para completar este post.
Até parece que o Guerra Junqueiro saíu da tumba e está a viver  entre nós neste nosso século XXI.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

29-GUERRA JUNQUEIRO

             29-        O MELRO

            O melro, eu conheço-o:
Era negro, vibrante, luzidío,
           Madrugador, jovial;
           Logo de manhã cedo
Começava a soltar, d´entre o arvoredo,
Verdadeiras risadas de cristal.
E assim que o padre-cura abria a porta
          Que dá para o passal,
Repicando umas finas ironias
          O melro, d´entre a horta,
          Dizia-lhe «bom dia"»
          E o velho padre-cura
Não gostava daquelas cortesias.


O cura era um velhote conservado,
Malicioso, alegre, prazenteiro;
Não tinha pombas brancas no telhado,
          Nem rosas no canteiro:
Andava às lebres pelo monte, a pé,
         Livre de reumatismos.
Graças a Deus, e graças a Noé.
O melro desprezava os exorcísmos
        Que o padre lhe dizia:
Cantava, assobiava alegremente;
       Até que ultimamente
       O velho disse um dia:


«Nada, já não tem jeito! este ladrão
      Dá cabo dos trigais!
      Qual seria a razão
Por que Deus fez os melros e os pardais ?!»


       E o melro no entretanto,
       Honesto como um santo,
       Mal vinha no oriente
       A madrugada clara,
Já ele andava jovial, inquieto
Comendo alegremente, honradamente,
Todos os parasitas da seara
Desde a formiga ao mais pequeno insecto.
E apesar disto o rude proletário
       O bom trabalhador,
Nunca exigiu aumento de salário.


Que grande tolo o padre confessor!


        Foi para a eira o trigo;
        E, armando uns espantalhos,
        Disse o abade consigo:
«Acabaram-se as penas e os trabalhos.»
Mas logo de manhã, maldito espanto!
        O abade, inda na cama,
Ouviu do melro o costumado canto,
        Ficou ardendo em chama;
        Pega na caçadeira,
       Levanta-se dum salto,
E vê o melro a assobiar na eira,
Em cima do seu velho chapéu alto!

       Chegou a coisa a termo
Que o bom do padre-cura andava enfermo,
        Não falava nem ria,
Minado por tão íntimo desgosto;
E o vermelho oleoso do seu rosto
Tornava-se amarelo dia a dia..
E foi tal a paixão, a desventura,
(Muito embora o leitor não me acredite)
         Que o bom do padre-cura
         Perdera ...o apetite!



                       *
                *            *


Andando no quintal  um certo dia
Lendo em voz alta o Velho Testamento,
Enxergou por acaso (que alegria!
        Que ditoso momento!)
Um ninho com seis melros escondidos
       Entre uma carvalheira.

E ao vê-los exclamou enfurecido:

«A mãe comeu o fruto proibido;
Esse fruto era a minha sementeira:
        Era o pão, e era o milho;
        Tranmitiu-se o pecado.
E, se a mãe não pagou, que page o filho.
É doutrina da Igreja. Estou vingado!»


E engaiolando os pobres passaritos,
         Soltava exclamações:
         «É uma praga. Malditos!
Dão-me cabo de tudo estes ladrões!
Raios os partam! andai lá que enfim...»

E deixando a gaiola pendurada,
Continuou a ler o seu latim,
        Fungando uma pitada.

                        *
               *                *


Vinha tombando a noite silenciosa;
E caía por sobre a natureza
Uma serena paz religiosa,
         Uma bela tristeza
Harmónica, viril, indefinida.
        A luz crepuscular
Infiltra-nos na alma dolorida
Um misticísmo heróico e salutar.
As árvores, de luz linda doiradas,
Sobre os montes longínquos, solitários,
Tinham tomado as formas rendilhadas
         Das plantas dos herbários.
Recolhiam-se a casa os lavradores.
Dormiam virginais as coisas mansas:
        Os rebanhos e as flores,
        As aves e as crianças.

Ia subindo a escada o velho abade;
A sua negra, atlética figura
Destacava na frouxa claridade,
        Como uma nódoa escura.
E introduzindo a chave no portal
       Murmurou entre dentes:

       «Tal e qual ...tal e qual! ...
Guisados com arroz são excelentes.»

                       *
                *          *


Nasceu a lua. As folhas dos arbustos
Tinham o brilho meigo, aveludado
Do sorriso dos mártires, dos justos.
Um eflúvio dormente e perfumado
Embebedava as seivas luxuriantes.
Todas as forças vivas da matéria
Murmuravam diálogos gigantes
        Pela amplidão etéria.
São precisos silêncios virginais,
Disposições simpáticas, nervosas,
Para ouvir estas falas silenciosas

domingo, 3 de outubro de 2010

28-Poetas de ontem e de hoje

28-AIRAS NUNES DE SANTIAGO

Clérigo de Santigo de Compostela, Carolina Michaelis pensa que terá sido jogral na corte de Sancho IV. Homem extremamente culto, é autor da universalmente famosa «bailada das avelaneiras».

Bailemos nós já todas três, ai amigas,
so (1) aquestas avelaneiras froridas
e quem fôr velida, como nós, velidas,
      se amig´amar,
so aquestas avelaneiras froridas
      verrá (2) bailar.

Bailemos nós já todas tres, ai irmanas,
so aquesto ramo d´estas avelanas
e quem for louçana, como nós, louçanas,
      se amig´amar,
so aquesto ramo d´estas avelanas
      verrá bailar.
 
Por Deus, ai amigas, mentr´al (3) non fazemos,
so aquesto ramo frorido bailemos
e quen ben parecer, como nós parecemos,
       se amig´amar,
so aquesto ramo so´l (o) (4) que nós bailemos
       verrá bailar.
____________________

(1)  So: sob
(2) Verrá: virá
(3)  Mentr´al: enquanto outra coisa
(4)  So´l: sob o qual.

      Esta é a famosa «bailia ou bailada das avelaneiras de Airas Nunes de Santiago. Uma jovem enamorada desafia as duas companheiras que com ela se encontram a bailar debaixo das avelaneiras floridas, e acrescenta: «Quem for bela, como nós somos belas, e estiver apaixonada (se amig´amar), deve juntar-se a nós para bailar debaixo destas avelaneiras». Logo, quem estiver de amores, que venha festejar a alegria de amar, bailando (e cantando).

Nota : esta poesia faz parte de uma canção do Zeca Afonso

JOÃO ZORRO

Jogral, supõe-se ter andado pelas cortes de D. Afonso III e D. Dinis. Célebre pelas suas marinhas ou barcarolas.  Vitorino Nemésio considera-o, justamente, «um dos maiores líricos medievais»

CANTIGAS DE AMIGO

En Lixboa, sobre lo mar
barcas novas mandei lavrar, (1)
     ai mia senhor velida! (2)

En Lixboa, sobre lo ler, (3)
barcas novas mandei fazer,
     ai mia senhor velida!

(B)arcas novas mandei lavrar
e no mar as mandei deitar,
   ai minha senhor velida!

(B)arcas novas mandei fazer
e no mar as mandei meter,
      ai mia senhor velida
________________
(1) Lavrar: fazer.
(2) Velida: formosa
(3) Ler: praia

      Nesta cantiga, o poeta abandona o convencionalismo de pôr o que quer dizer na boca de uma donzela. Seria então, de acordo com a «Arte de Trovar», com que abre o Cancioneiro da Biblioteca Nacional, uma cantiga de amor, mas é de conservar a designação de «cantiga de amigo», considerado o modo paralelístico que a estrutura.

MANUEL ALEGRE

Salgueiro Maia

Ficaste na pureza inicial
do gesto que liberta e se desprende
havia em ti o símbolo e o sinal
havia em ti o herói que não se rende.

Outros jogaram o jogo viciado
para ti nem poder nem a sua regra
conquistador do sonho inconquistado
havia em ti o herói que não se integra

Por isso ficarás como quem vem
dar outro rosto ao rosto da cidade
Diz-se o teu nome e sais de Santarém
trazendo a espada e a flor da liberdade.


GUERRA JUNQUEIRO

FALAM AS ESCOLAS EM RUINAS

A alma da infância é um passarinho;
Gorjeia o ninho e a escola chora :
Na infância cai a noite; e o ninho
Tem sobre as plúmulas d´arminho
             A aurora

A alma da infância é flor de mimosa;
A escola é triste e a flor vermelha:
Na escola paira a c´ruja odiosa,
E sobre o cálice da rosa
             A abelha

Tu fazes, Pátria, as almas cegas,
Prendendo a infância num covil.
Aves não cantam nas adegas;
Se a infância é flor, porque lhe negas
             Abril ?!

Até parece que o Guerra Junqueiro estava a ver o 25 de Abril e toda a escória de ladrões que se aproveitam do 25 de Abril para roubarem com o à vontade que se sabe, pois sabem que ninguém lhes vai aos costados. Até um dia! ...

sábado, 2 de outubro de 2010

27-Rapaziadas

27-As últimas semanas foram copiosas em demonstrar que Portugal é um país para se levar pouco a sério. Dois rapazolas transformaram-no num terreiro de berlinde, cada um com um abafador que destinará quem venceu. O pior é que ninguém ganha e todos estamos a perder. Um deles possui um sentido circense que legitima todo o faz-de-conta. O outro manifesta uma devoção ingénua pelo poder que, na realidade não possui. Ambos resultam desse milagre convencional que nos faz reféns de dois partidos desprovidos de grandeza, intelectualmente asténicos e politicamente impostores.

Na verdade, os dois partidos nunca foram grande coisa. Nas paredes das suas sedes estão retratos poéticos daquele que os dirigiram.
Percorremos o olhar por esses rostos líricos e chegamos a conclusões deploráveis. Poucos socialistas e poucos sociais-democratas de intenção e decisão, coisa que não interessava a quem na sombra agia. É uma época ilustrada pela traição.

Os dois mancebos que jogam o berlinde correspondem a uma inconsciência dócil, que opera no contexto histórico, e se esclaresse nas relações de poder. São semelhantes na leviandade e na carência de conhecimentos. Nada mais do que isso. Não é só serem incredíveis.  Sobretudo, são imaturos, ignorantes e tragicamente incapazes. Um deles já deu o que podia dar. E atingiu as funções que assume por completa ausência de antagonista. A dr.ª Manuela era um susto; e os seus antecessores, personagens menors de uma pungente ópera-bufa. Quanto ao outro rapazola, rapidamente se percebeu tratar-se de um moroso equívoco, uma bizarra consequência de época e, sobretudo, um produto incapaz de se produzir a si próprio.

Estamos perante um imbróglio perturbador. O dilema é este: como se passa do patológico para o normal? Ignoramo-lo. Desde a aparição mística do dr. Cavaco que aumentou o perigo de uma sociedade amolgada. Aquele senhor alimentava (e alimenta) um distrocido entendimento do que é a democracia. A década em que foi primeiro-ministro saldou-se pela rucusa da modernidade e pela imposição de uma rigidez emocional que ainda hoje persiste. Perdra e betão substituíram a alma e a coragem.

As rapaziadas a que temos assistido procedem dessa cultura de ilusionísmo que conduziu à relativa despersonalização do português, o que vira no 25 de Abril uma porta de esperanças. O dr. Cavaco nada tinha ou tem a ver com o apostolado da liberdade. Ele nunca mexeu uma palha com esse objectivo. E até chegou a inventar uma rústica e grotesca história que o ungia como mosqueteiro da democracia. As rapaziadas destes rapazolas provêm da mesma matriz.

BAPTISTA-BASTOS