quarta-feira, 6 de outubro de 2010

30-GUERRA JUNQUEIRO - Balanço patriótico

                                         30Balanço patriótico

Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda  na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional - reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta;
         Um clero português, desmoralizado e materialista, liberal e ateu, cujo Vaticano é o ministério do reino, e cujos bispos e abades não são mais que a tradução em eclesiástico do furas-vidas que governa o distrito ou do fura-vidas que administra o concelho (1); e, ao pé deste clero indígena, um clero jesuítico, estrageiro ou estrangeirado, exército de sombras, minando, enredando, absorvendo, pelo púlpito, pela escola, pela oficina, pelo asilo, pelo convento e pelo confessecionário - força superior, cosmopolita, invencível, adaptando-se com elastecidade inteligente a todos os meios e condições, desde a aldeola  ínfima, onde berra pela boca epiléptica do fradalhão milagreiro, até à rica sociedade elegante da capital , onde o jesuitismo é um dandismo de sacristia, uma beatéria chic, virgem do tom, Jesus de high-life, prédicas untuosas (monólogos ao divino por Coquelins de fralda) e em certos dias, na igreja da moda, a bonita missa encantadora, - luz discreta, flores de luxo, paramentos raros, cadeiras cómodas, latim primoroso, e hóstia glacée, com pistache, da melhor confeitaria de Paris; não discriminando já o bem do mal, sem palavra, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedem, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro;
    Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do país, e exercido ao acaso da herança pelo primeiro que sai dum ventre, - como da roda da lotaria;
     A Justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara a ponto de fazer dela um saca-rolhas;
     Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, na hora do desastre, de sacrificar à monarquia ou meia livra ou uma gota de sangue, vivendo ambos do mesmo utilitarísmo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgamando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, - de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar.
        
          Basta, basta, chega, chega !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!         
 Se continuasse, eram precisas seis páginas para completar este post.
Até parece que o Guerra Junqueiro saíu da tumba e está a viver  entre nós neste nosso século XXI.

Sem comentários:

Enviar um comentário