domingo, 9 de janeiro de 2011

06-Contra/Corrente

06-Falem baixinho

Falem baixinho. Critiquem com doçura. Façam vénias. Não se indignem, que parece mal. Agradeçam o pão que o diabo amassou. Contenham as raivas (mesmo quando as injustiças são clamorosas). Não olhem para cima. Sejam gratos a quem programa a infelicidade. Repitam muitas vezes que "o mundo sempre foi assim", "o que é que há-de fazer?", "sempre, desde que a terra é terra, houve ricos e pobres", digam que "as desigualdades e a fome são coisas naturais, que devemos olhar com resignação - Cristo não morreu na cruz? Parece ser essa ladainha com que nos encomendam os dias que aí vêm, que já não têm direito a amanhãs que cantem, nem aceitam acenos de esperança. Assim se programa o conformismo, assim se reproduz o unanimismo, assim se semeia a apatia cívica, assim se amordaça o falar.

Penso isto, e dou comigo a ler a crónica do Manuel António Pina ("Fazer pela vidinha") que trata destas perplexidades que emergem do tempo que vamos vivendo "com a cabeça entre as orelhas", como diria Sérgio Godinho. Então, como sempre, vale ler a crónica do Pina: " O "Sensato" concelho de Cavaco  Silva para comermos e calarmos de modo a que "os nossos credores" não se zanguem connosco e nos castiguem com juros cada vez mais altos espelha uma cultura salazarenta de conformismo que, sendo muito mais antiga que Cavaco, ele representa na perfeição, até nos seus, só na aparência contraditórios, repentes de arrogância. Quando Cavaco nos recomenda que amouchemos pois "se nós [aos ´nossos credores´] dirigimos palavras de insulto, a consequência será mais desemprego para Portugal", tão só repete à actual circunstância , a "sensata" e canónica fórmula do "Manda quem pode, obedece [no caso, cala] quem deve". Trata-se de uma atávica cultura em que a vida é vidinha, a crítica deve ser sempre "construtiva" e colaborante, os trabalhadores, por suave milagre linguístico, se tornam "colaboradores" (e se colaboracionistas melhor ainda) e servilismo e acriticismo são alcandorados a virtudes cívicas. Porque é assim que faz pela vidinha, de joelhos. Estejamos, prtanto, gratos às "companhias de seguros, fundos de pensões, fundos soberanos, bancos internacionais e cidadãos espalhados por esse mundo fora" que nos emprestam a juros usurários, pois eles apenas querem o nosso bem. E, como o bom Matateu numa famosa entrevista a Batista Bastos, digamos tudo o que quizermos, excepto dizer mal, "porque [cito de cor] Matateu não diz mal de ninguém".

Não dizer mal de ninguém. Olhar para o lado da vida.

FPN-JF

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