segunda-feira, 30 de maio de 2011

128-Carlos Drummond de Andrade*

128-Os ombros suportam o mundo
Chega um tempo erm que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já  não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espectáculo
preferiram (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não morrer.
Chegou um tempo que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
        E A VOZ INCONFUNDÍVEL
        DA  IRLANDESA  "ENYA"

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