domingo, 22 de agosto de 2010

4-Mãezinha

4-A terra de meu pai era puequena
e os transportes difíceis.
Nã havia combóios, nem automóveis, nem aviões, nem mísseis.
Correia branda a noite e a vida era serena.

Segundo informação, concreta e exacta,
dos boletins oficiais,
viviam lá na terra, a essa data,
3023 mulheres, das quais
45 por cento eram de tenra idade,
chamando tenra idade
à que vai do berço à puberdade.

28 por cento das restantes
eram senhoras, daquelas senhoras que havia dantes.
Umas, viúvas, que nunca mais (oh! nunca mais!) tinham sequer sorrido
desde o dia da morte do extremoso marido;
outras, senhoras casadas, mães de filhos ....
(De resto, as senhoras casadas,
pelas suas próprias condições,
não têm que ser consideradas
nestas considerações.)

Das outras, 10 por cento
eram meninas casadoiras, seriíssimas, discretas,
mas que por temperamento,
ou por outra razões mais ou menos secretas,
não se inclinavam para o casamento.

Além destas meninas
havia, salvo erro, 32,
que à meiga luz das horas vespertinas
se punham a bordar por detrás das cortinas
espreitando, de revés, quem passava nas ruas.

Dessas havia 9 que moravam
em prédios baixos como então havia,
un aquí, outro além, mas todos ficavam
no troço habitual que o meu pai percorria,
traquilamente no maio sossego, às horas em
que entrava e saía do emprego.

Dessas 9 excelentes raparigas
uma fugiu com o criado da lavoura;
5 morreram novas, de bexigas;
outra, que veio a ser senhora,
teve as suas fraquesas mas casou-se
e foi condessa por real mercê;
outra suicidou-se
não se sabe porqê.
A que sobeja
chama-se Rosinha
Foi essa que o meu pai levou à igreja.
Foi a minha mãezinha.
                                 António Gedeão

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