6-Para a Madalena, para o Francisco
e todas as crianças do mundo
Brinca enquanto souberes!
Tudo o que é bom e belo
Se desaprende ...
A vida compra e vende
A perdição.
Alheado e feliz,
Brinca no mundo da imaginação,
Que nenhum outro mundo contradiz!
Brinca instintivamente
Como um bicho!
Fura os olhos do tempo,
E à volta do seu pasmo alvar
De cabra-cega tonta,
A saltar e a correr,
Desafronta
O adulto que hás-de ser!.
Miguel Torga
Mania das Grandezas
Pois bem, confesso:
fui eu quem destruiu as Babilónias
e descobriu a pólvora....
Acredite,
a estrela Sírius, de primeira grandeza,
(única no mercado)
deixou- ma meu tio-avô em testamento.
No meu bolso esconde-se o segredo
das alquimias
e a metafísica das religiões
- tudo por inspiração!
Que querem?
Sou poeta
e tenho a mania das grandezas....
Talvez ainda venha a ser Presidente da República
Joaquim Namorado
«É DIFÍCIL A VIDA»
É difícil na vida achar alguém
Que seja na verdade um grande amigo;
E se assim penso - e com tristeza o digo,
É porque sei, talvez, como ninguém.
Se a amizade é um bém - e se esse bem
Traz o conforto de um divino abrigo,
Por mim, direi que nunca mais consigo
Iludir-me nas graças que ele tem.
Afectos, sacrifícios, lealdade!,
Tudo se apaga ou fica na memória
Se a ilusão dá lugar à realidade.
E ai daqueles que pensam na excepção
Acabam por ficar dentro da história
De que a vida é um sonho e uma traição.
António Botto - Sonetos
Depois de Camões, Fernando Pessoa e Cesário Verde, são os meus poetas de eleição. Fernando Pessoa morreu um ano antes de eu nascer. Cesário Verde nasceu em 1855 e morreu em 1886, apenas com 31 anos de idade, de tuberculose.
O pai de CesárioVerde tinha uma loja de Ferragens na baixa lisboeta.
O Cesário subia e descia muitas vezes o Chiado. À porta da Havaneza, uma casa de tabacos que havia naquela zona, e onde se juntava a malta em anena cavaqueira. Naquele tempo toda a gente se conhecia.
Quando o Cesário passava havia um empregado que acenava lá de dentro.
- Olá, Cesáro Azul ? - e ele respondia
- Olá, seu trota tintas!
Lisboa é uma cidade que não sai do meu pensamento. Passeio por Lisboa a toda a hora. Quando passo na Rua de D. Estefânia e me aproximo da estátua de Cesário Verde, páro sempre para o cumprimentar.
- Olá, Cesário, lembras-te daquele piquenique de burguesaas?
- Olá, Cesário, lembras-te daquele piquenique de burguesaas?
DE TARDE
Naquele piquenique de burguesas
Houve uma coisa simplesmente bela
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela
Foi quando tu, descendo do burrico
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão de ló molhado em malvasia.
Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto das merendas
O ramalhete rubro das papoulas!
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