sábado, 24 de março de 2012

442-O FIM DESTA CIVILIZAÇÃO

442
O mundo actual semelha-se ao mito de Sísifo. Anda de baixo para cima e de cima para baixo, infinitamente sem encontrar o recto caminho, e carregado pelo peso de um rochedo que, mais tarde ou mais cedo, irá rolar pela encosta. Há muitos anos que não dispomos de dirigentes à altura das mudanças do mundo. Guiam-se, todos, à Direita e à Esquerda, pela mesma cartilha. Removeram a ideologia e as convicções do calendário político. Ao contrário de Sísifo, que recusa, obstinadamente, a derrota, eles submeteram-se às consequências desta união no vazio." Baptista-Bastos.O Fim da CivilizaçãoQuando se extinguirá esta sociedade corrompida por todas as devassidões, devassidões de espírito, de corpo e de alma? Quando morrer esse vampiro mentiroso e hipócrita a que se chama civilização, haverá sem dúvida alegria sobre a terra; abandonar-se-á o manto real, o ceptro, os diamantes, o palácio em ruínas, a cidade a desmoronar-se, para se ir ao encontro da égua e da loba. 
Depois de ter passado a vida nos palácios e gasto os pés nas lajes das grandes cidades, o homem irá morrer nos bosques. A terra estará ressequida pelos incêncios que a devastaram e coberta pela poeira dos combates; o sopro da desolação que passou sobre os homens terá passado sobre ela e só dará frutos amargos e rosas com espinhos, e as raças extinguir-se-ão no berço, como as plantas fustigadas pelos ventos, que morrem antes de ter florido. 
Porque tudo tem de acabar e a terra, de tanto ser pisada, tem de gastar-se; porque a imensidão deve acabar por cansar-se desse grão de poeira que faz tanto alarido e perturba a majestade do nada. De tanto passar de mãos e de corromper, o outro esgotar-se-á; este vapor de sangue abrandará, o palácio desmoronar-se-á sob o peso das riquezas que oculta, a orgia  cessará e nós  despertaremos.

Então, quando os homens virem esse vazio, quando se tiver de deixar a vida pela morte, pela morte que come, que tem sempre fome, haverá um riso imenso de desespero. E tudo explodirá para se desmoronar do nada, e o homem virtuoso amaldiçoará a sua virtude e o vício aplaudirá. 
Alguns homens ainda errantes numa terra árida chamar-se-ão; encontrar-se-ão e recuarão horrorizados, aterrorizados consigo próprios, e morrerão. O que será então o homem, ele que já é mais feroz do que os animais ferozes, e mais vil do que os répteis? Adeus para sempre, carros deslumbrantes, fanfarras e famas; adeus, mundo, palácios, mausoléus, volúpias do crime e delícias da corrupção! A pedra cairá de repente, esmagada por si mesma, e a erva crescerá sobre ela. E os palácios, os templos, as pirâmides, as colunas, mausoléu do rei, caixão do pobre, carcaça do cão, tudo isso ficará à mesma altura, sob a relva da terra. 
Então, o mar sem diques baterá tranquilamente nas praias e irá banhar as suas ondas na cinza ainda fumegante das cidades; as árvores crescerão, reverdescerão, e não haverá mão que as quebre e as destrua; os rios correrão nos prados floridos, a natureza será livre, sem homem que a oprima, e esta raça será extinta, porque era maldita desde a infância. 
Gustave Flaubert, in 'Memória de um Louco'
Tema(s): Civilização 




















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