quarta-feira, 7 de março de 2012

421-SALAZAR E OS CAVACOS QUE POR CÁ DEIXOU



421-Tibério e a personalizão do poder
A personalização do poder implica aspectos psicológicos que transparecem no carácter daqueles que o exercem. Um dos períodos mais elucidativos do poder pessoal, na História de Roma, foi o do governo de Tibério, o ressentido.
     Enebriado pelo mando, cercado por uma auréola de glória falsa, criada e alimentada pelos acólitos, transformou a natural timidez do ressentido num pesadelo permanente para os que sofriam a sanha da perseguição. Apoiado nas legiões de que captara a confiança dos chefes, através da concessão de privilégios, pôde exercer um mando discricionário.
     Nasceu em Roma no ano 42 antes de Cristo e morreu com 78 anos completos a 36 da era cristã. Durante a sua vida, Cristo nasceu, viveu e morreu.
     Viviam-se as alvoradas do Sermão da Montanha. Em Roma institucionalizava-se o Terror. Terror que posteriormente haveria de ser um gran veículo do cristianismo, porque do sangue dos mártires, da angústia de todos os perseguidos, um novo mundo se estava forjando.
      Tibério tinha a marca inconfundível de todos os ressentidos: infâncias difíceis, temperamentos assinalados por adolescências frustadas, maioridades esgotadas em recalcamentos psíquicos que qualquer realização encobre na vergonha dos actos que temem a luz do dia, dia que o próprio sol da paternidade poderia ter aquecido. São seres desumanos, odientos, classificados com o timbre da anti-natureza e que excedem o próprio repúdio do Tartufo de Moliére.
       Disse Miguel Unamuno que entre os pecados capitais não figura o ressentimento, o mais grave de todos; mais que a ira, mais que a soberba.
       O ressentimento caracterizou profundamente a personalidade de Tibério. Ressentimento disfarçado em timidez, na falsa modéstia que esconde a sede  desenfreada da grandeza; sob a toga cândida escondia a face hedionda, sedenta de poder.
       Usava uma linguagem enviesada que se exprimia através de tonalidades melífluas, muitas vezes transformadas em requintes de pronúncia anfatuada; entrecortada de pausas cínicas e dedinhos ameaçadores. O «digitorum gesticulatione» de que fala Suetónio a propósito de Tibério.
       Preparava cuidadosamente os discursos que todavia lhe saíam hiperbólicos, confusos, de linguagem tensa e obscura. Tácito atribui essa obscuridade ao propósito de dissimular. Mas quando se tratava de envenenar uma seta, embebi-a na acidez do humorismo seco, usando então vocabulário simples e copioso.
       Desesperadamente Tibério agarrava-se à vida, queria teimosamente persistir, ignorando que as leis biológicas são grandes aliadas do tempo.
       D sólida compleição, a idade foi operando a implacável tarefa, muito embora chegasse a levar a sobriedade até ao mais extreme exagero.
       Com o decorrer dos anos, os traços fisionómicos mais se acentuvam, definindo a hipocondria do ressentido: «os rictos de amargura nos lábios, expressão típica entre astúcia e despeito, que levou o historiador Gregorobius a classificá-lo de «boca jesuítica». A fronte, abaulada, o queixo poteagudo, a flacidez do rosto pálido, a obliquidade manhosa dos olhos em trejeito de astúcia, sorriso brusco disfarçado num esgar, a ligeira curvatura do nariz marcavam uma fisionamia  que levou Plínio a afirmar que conseguia ver que conseguia ver nas trevas como as corujas. Viveu os últimos anos no sobressalto permanente do remorso, da dúvida sobre os resultados da Sementeira que fizera, desconfiando dos próprios discípulos que no fundo desprezava e que, no conforto das posições alcançadas, iam esquecendo algum do idealismo que no princípio perfilharam.
       Como conta um dos seus biógrafos; «acossado pelo ódio popular e debilitado pelos anos, Tibério compreendeu a impossibilidade de somente com a força, sem um hálito favorável da opinião, alguém suster-se no poder». «A opinião, apesar da força, já o tinha derrubado antes da morte. Os mais bem intencionados dos seus paladinos não encontraram argumentos para opor à significativa explosão de alegria com que Roma acolheu o trespasse do Imperador. No regozijo geral, tão grande que as pessoas não queriam acreditar que «o leão» como lhe chamou o judeu Agripa Bodes, havia deixado para sempre de rugir. O povo já não pensava, ou nunca pensava, se ele tinha governado com acerto ou improvidade, mas somente no imenso poder negativo da sua antipatia».
      O ambiente angustiante de delações e calúnias tinha sido no final do seu reinado uma fogueira de ódio contra Tibério.«Ódio só aliviado pela esperança de ver desaparecer o imperador. Os povos aterrorizados e descontentes, tudo esperam dessa palavra mágica e perigosa: Mudança.
        A multidão jamais pensa que pode perder na troca. «Os dias de maior regozijo popular, registados pela história - como afirma Marañon - foram os que seguiram à mudança de príncipes e regimes»
        Agora era o fim. O tempo cumprira a sua missão. Como Nero ele também pode dizer: «Sou o árbitro da vida e da morte dos povos. O destino de todos está nas minhas mãos. O que a fortuna quizer conceder a cada um é a minha boca que o dirá. De uma resposta minha depende a felicidade das urbes. Sem meu conhecimento ninguém poderá prosperar»
        No Monte do Gólgota outra voz se erguera e do sangue feito semente duma nova humanidade surgia. Ali não havia, problemas de sucessão porque a voz seria ouvida: venceria a amplidão geográfica e a profundidade das consciências.
      O último gesto de Cristo foi de perdão, eterna beleza das almas.
      O último gesto de Tibério foi ainda de obsidente ressentimento, de hipocresia já vencida pela dúvida que visita as consciências na hora derradeira. Que fizera! Que deixara de fazer? Quem lhe sucederia?
     Séneca deixou-nos a seguinte descrição dos últimos momentos do Imperador. «Obcecado com a sua sucessão, tirou o anel como para dá-lo a alguém; mas logo tornou a pô-lo num dedo da mão esquerda, e ficou assim algum tempo. Com o punho cerrado, compreendendo, sem dúvia, na sua consciência de agonizante, que esse anel, herdado por alguém, seria a causa dos dias trágicos que via passar sobre Roma»
        «De repente, levantou-se, e ao fazer esse esforço, o coração deteve-se para sempre.
         Sete anos antes São Paulo convertera-se ao Cristianismo. Trinta anos depois São Pedro era martirizado. Dos escombros do Império, das cinzas da jurisprudência romana, uma nova era começaba: a dos homens livres de todos os ressemtimentos quando o amor da humanidade lhes aquece os rorações.
Nota: Este artigo foi escrito pelo Dr.António dos Santos Taborda e publicado no Jornal do Fundão em Março de 1965 e deu brado naquela altura. A propósito do Imperador romano Tibério fez um inteligente retrato do Ditador Salazar

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