quinta-feira, 26 de junho de 2014

1414 - "POEMA POUCO ORIGINAL DO MEDO" - ALEXANDRE O´NEIIL

1414

POEMA POUCO ORIGINAL DO MEDO

O medo vai ter tudo

pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis

Vai ter olhos onde ninguém os veja

mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no mercúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo

fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários 
               (assim a assim)
escriturários
             ( muitos)
intelectuais
             (o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com certeza a deles

Vai ter capitais

países
suspeitas como toda a gente
muitissimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo

tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

               *


O medo vai ter tudo

quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Sim 

a ratos
                       (Tempo de Fantasmas)

ALEXANDRE  O´NEILL


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