segunda-feira, 23 de junho de 2014

1419 - "ESPELHO" - ANTÓNIO NORTON

1410

    ESPELHO

Espelho do quarto, pregado à parede.

Só húmido tempo nas machas da cal,
E as bocas da fome, do riso, e da sede.

Retrato de vidro da cor natural.

As nítidas rugas, a forma do sexo,
A idade dos mortos que vem no jornal.

Se canto é o sonho que está no reflexo

Por dentro das coisas que estão no real.

Se vejo é teu corpo, na sombra, no ar,

No fundo dos olhos que estão distraídos
Com o cheiro da vida que está a passar.

Se entendo é a voz que está nos ouvidos

Por dentro da voz que está a falar
Tão fora das coisas que estão nos sentidos.

Se olho, é uma concha. Se canto, é o mar.


ANTÓNIO NORTON




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