terça-feira, 30 de setembro de 2014
segunda-feira, 29 de setembro de 2014
1503 -- «REMORSO INÚTIL» FERNANDA BOTELHO
1503
REMORSO INÚTIL
Foi (ou não foi) uma estranha glória
essa de ter ficado sem remorso?
Cobarde como um insecto, mas segura
da minha cobardia sem história,
da minha glória sentida, que não posso
renegar ou esquecer. Porque é mais pura
que brancura enevoada do luar.
E secreta, bem secreta. Quem repara
na eternidade secreta que se há-de
em mãos pequenas e vagas estreitar?
Mas não é preciso dum remorso para
soluçar uma alegre eternidade:
viver assim-assim, como um insecto
cobarde e correcto.
-- Mas que sabe voar.
FERNANDA BOTELHO
REMORSO INÚTIL
Foi (ou não foi) uma estranha glória
essa de ter ficado sem remorso?
Cobarde como um insecto, mas segura
da minha cobardia sem história,
da minha glória sentida, que não posso
renegar ou esquecer. Porque é mais pura
que brancura enevoada do luar.
E secreta, bem secreta. Quem repara
na eternidade secreta que se há-de
em mãos pequenas e vagas estreitar?
Mas não é preciso dum remorso para
soluçar uma alegre eternidade:
viver assim-assim, como um insecto
cobarde e correcto.
-- Mas que sabe voar.
FERNANDA BOTELHO
domingo, 28 de setembro de 2014
quinta-feira, 25 de setembro de 2014
1501 - «FALAM DE PÃO» FERNANDO LEMOS
1501
«FALAM DE PÃO...»
Falam de pão
mas comem pão
falam de suor mas tomam banho
falam de amor mas traem amigos
falam de injustiça
falam de justiça
mas roubam
falam de tudo
mas falam de tudo
falam mas não desistem
não pensam nem se recusam
ninguém se demite
daquilo que é
entretanto as coisas acontecem
embora poucos olhem para elas
FERNANDO LEMOS
«FALAM DE PÃO...»
Falam de pão
mas comem pão
falam de suor mas tomam banho
falam de amor mas traem amigos
falam de injustiça
falam de justiça
mas roubam
falam de tudo
mas falam de tudo
falam mas não desistem
não pensam nem se recusam
ninguém se demite
daquilo que é
entretanto as coisas acontecem
embora poucos olhem para elas
FERNANDO LEMOS
quarta-feira, 24 de setembro de 2014
terça-feira, 23 de setembro de 2014
segunda-feira, 22 de setembro de 2014
1498 - «CONVERSO COM A MORTER» - ANTÓNIO LUIS MOITA
1498
CONVERSO COM A MORTE
Converso com a morte que me diz
que não existe e que os humanos olhos
só vêem quando cegos.
(Pudesse eu
accreditá-la como ao sol que vejo
entre nuvens e anos! Soubesse eu
desfiá-la nos dedos como à tua
transitória presença!)
Sim, converso
com a morte certeira que me rasga
diàriamente um nada e me antevê
lapiadado, redondo, cristalino,
como antes de nascer desenganado.
ANTÓNIO LUIS MOITA
CONVERSO COM A MORTE
Converso com a morte que me diz
que não existe e que os humanos olhos
só vêem quando cegos.
(Pudesse eu
accreditá-la como ao sol que vejo
entre nuvens e anos! Soubesse eu
desfiá-la nos dedos como à tua
transitória presença!)
Sim, converso
com a morte certeira que me rasga
diàriamente um nada e me antevê
lapiadado, redondo, cristalino,
como antes de nascer desenganado.
ANTÓNIO LUIS MOITA
domingo, 21 de setembro de 2014
sexta-feira, 19 de setembro de 2014
1496 - «LE TRÔNE, DÓR» MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
1496
LE TRÔNE, D´OR, DE MOI-PERDU
Le trône, d´Or, de Moi-perdu,
S´est écrcroulé
Mai le vainqueur est disparu
Dans le palais...
En vain je cherche son armure,
Sem oriflammes...
(Je ne Me suis plus aux dorures:
-- Ai-je égorgé mes aigles d´Ame?....)
Tout s´est ternie autour moi
Dan la gloire.
-- Ailleurs, sanglants, mon émoi
Etait d´Ivoir.
Tous les échos vibraient couler
Dans mon Silance.
Je montais -- Aile de ma douleur...
J ´étais la coupe de l´Empereur
J´étais le poignard de la Reine
--------------------------------------
--------------------------------------
Je me revais aux heures brodées
Avec des tendresses de Page.
J´étais le roux d´Autres mirages
Pendant ma fiévres affilée-...1
1 In Cartas....1 vol., ob. cit. p. 158. De uma carta de
23-6-1914. A ortografia francesa está conforme
ao manuscrito
MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
(JUNHO DE 1914)
LE TRÔNE, D´OR, DE MOI-PERDU
Le trône, d´Or, de Moi-perdu,
S´est écrcroulé
Mai le vainqueur est disparu
Dans le palais...
En vain je cherche son armure,
Sem oriflammes...
(Je ne Me suis plus aux dorures:
-- Ai-je égorgé mes aigles d´Ame?....)
Tout s´est ternie autour moi
Dan la gloire.
-- Ailleurs, sanglants, mon émoi
Etait d´Ivoir.
Tous les échos vibraient couler
Dans mon Silance.
Je montais -- Aile de ma douleur...
J ´étais la coupe de l´Empereur
J´étais le poignard de la Reine
--------------------------------------
--------------------------------------
Je me revais aux heures brodées
Avec des tendresses de Page.
J´étais le roux d´Autres mirages
Pendant ma fiévres affilée-...1
1 In Cartas....1 vol., ob. cit. p. 158. De uma carta de
23-6-1914. A ortografia francesa está conforme
ao manuscrito
MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
(JUNHO DE 1914)
quinta-feira, 18 de setembro de 2014
quarta-feira, 17 de setembro de 2014
1493 - «MAR DE SETEMBRO»
1493
MAR DE SETEMBRO
Tudo era claro:
céu, lábios, areias.
O mar estava perto,
fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
Dóceis, leves -- só
ritmo e brancura.
Felizes cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam,
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto,
puríssimo, doirado.
EUGÉNIO DE ANDRADE
MAR DE SETEMBRO
Tudo era claro:
céu, lábios, areias.
O mar estava perto,
fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
Dóceis, leves -- só
ritmo e brancura.
Felizes cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam,
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto,
puríssimo, doirado.
EUGÉNIO DE ANDRADE
terça-feira, 16 de setembro de 2014
segunda-feira, 15 de setembro de 2014
1491 - ANTÓNIO RAMOS ROSA
1491
VIAGEM ATRAVÉS DE UMA NEBULOSA
1960
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração
ANTÓNIO RAMOS ROSA
VIAGEM ATRAVÉS DE UMA NEBULOSA
1960
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração
ANTÓNIO RAMOS ROSA
domingo, 14 de setembro de 2014
1490 - «COLAGEM» - CARLOS DE OLIVEIRA
1490
COLAGEM
Com versos de Desnos, Maiakovski e Rilke
Palavras,
sereis apenas mitos
semelhantes ao mirto
dos mortos ?
Sim.
conheço
a força das palavras,
menos que nada,
menos que pétalas pisadas
num salão de baile,
e no entanto
se eu chamasse
quem dentre os homens me ouviria
sem palavras?
CARLOS DE OLIVEIRA
COLAGEM
Com versos de Desnos, Maiakovski e Rilke
Palavras,
sereis apenas mitos
semelhantes ao mirto
dos mortos ?
Sim.
conheço
a força das palavras,
menos que nada,
menos que pétalas pisadas
num salão de baile,
e no entanto
se eu chamasse
quem dentre os homens me ouviria
sem palavras?
CARLOS DE OLIVEIRA
1489 -- «BALADA DA NEVE» - AUGUSTO GIL
1489
BALADA DA NEVE
Batem leve, levemente,
Como quem chama por mim...
Será chuva ? Será gente ?
Gente não é certamente
E a chuva não bate assim...
É talvez ventania;
Mas há pouco, há poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho...
Quem bate assim levemente,
Com tão estranha levesa
Que mal se ouve, mal se sente ?
Não é chuva, nem é gente,
Nem é vento, com certeza.
Fui ver. A neve caía
Do azul cinzento do céu,
Branca e leve, branca e fria...
-- Há quanto tempo a não via!
E que saudade, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
Os passos imprime e traça
Na brancura do caminho...
Fico olhando esses sinais
Da pobre gente que avança
E noto, por entre os mais,
Os traços miniaturais
Duns pèzitos de criança...
E descalcinhos, doridos...
A neve deixa inda vê-los
Primeiro bem definidos,
-- Depois em sulcos compridos,
Porque não podia ergue-los !...
Que quem já é pecador
Sofra tormento, enfim !
Mas as crianças, Senhor,
Porque lhes dais tanta dor ?!...
Porque padecem assim ?!...
AUGUSTO GIL
BALADA DA NEVE
Batem leve, levemente,
Como quem chama por mim...
Será chuva ? Será gente ?
Gente não é certamente
E a chuva não bate assim...
É talvez ventania;
Mas há pouco, há poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho...
Quem bate assim levemente,
Com tão estranha levesa
Que mal se ouve, mal se sente ?
Não é chuva, nem é gente,
Nem é vento, com certeza.
Fui ver. A neve caía
Do azul cinzento do céu,
Branca e leve, branca e fria...
-- Há quanto tempo a não via!
E que saudade, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
Os passos imprime e traça
Na brancura do caminho...
Fico olhando esses sinais
Da pobre gente que avança
E noto, por entre os mais,
Os traços miniaturais
Duns pèzitos de criança...
E descalcinhos, doridos...
A neve deixa inda vê-los
Primeiro bem definidos,
-- Depois em sulcos compridos,
Porque não podia ergue-los !...
Que quem já é pecador
Sofra tormento, enfim !
Mas as crianças, Senhor,
Porque lhes dais tanta dor ?!...
Porque padecem assim ?!...
AUGUSTO GIL
sábado, 13 de setembro de 2014
quinta-feira, 11 de setembro de 2014
1487 - «PEQUENA METÁFORA DA ARANHA E DA MOSCA» ANTÓNIO LUÍS MOITA
1487
PEQUENA METÁFORA DA ARANHA E DA MOSCA
Invisíveis fios de oiro à luz do sol sem vento
a solitária aranha preparou.
Como que dorme, agora. Aguarda o alimento:
um pequenino insecto desatento,
um impensado voo.
A mosca vem, Zumbe no ar. Esvoaça.
desprevenida, rápida, contente.
A solitária aranha sente a caça:
comprime-se no canto. E a mosca passa
mesmo ao lado da morte, velozmente.
Regressa, logo a após. Mergulha. Evita
uma vez mais a morte certa. A teia
treme. A aranha freme. A morte grita.
A mosca - essa - permanece alheia.
Ziguezagueia, impávida, Descreve
três círculos concêntricos no espaço.
ANTÓNIO LUÍS MOITA
PEQUENA METÁFORA DA ARANHA E DA MOSCA
Invisíveis fios de oiro à luz do sol sem vento
a solitária aranha preparou.
Como que dorme, agora. Aguarda o alimento:
um pequenino insecto desatento,
um impensado voo.
A mosca vem, Zumbe no ar. Esvoaça.
desprevenida, rápida, contente.
A solitária aranha sente a caça:
comprime-se no canto. E a mosca passa
mesmo ao lado da morte, velozmente.
Regressa, logo a após. Mergulha. Evita
uma vez mais a morte certa. A teia
treme. A aranha freme. A morte grita.
A mosca - essa - permanece alheia.
Ziguezagueia, impávida, Descreve
três círculos concêntricos no espaço.
ANTÓNIO LUÍS MOITA
quarta-feira, 10 de setembro de 2014
1486 - «LAGOA DA FAJÃ DOS CUBRES» - AÇORES
1486
Zonas Húmidas - Lagoa da Fajã dos Cubres - Concelho
da Calheta
Ilha de S. Jorge - Açores
Zonas Húmidas - Lagoa da Fajã dos Cubres - Concelho
da Calheta
Ilha de S. Jorge - Açores
terça-feira, 9 de setembro de 2014
1485 - AGOSTINHO DA SILVA
1485
Se existiu sempre o que existe
e nenhum fim lhe há-de haver
qual é a ponte que liga
o que foi ao que há-de ser
é a ponte de ir marchando
a ponte de confiar
que é eterno esse poeta
cuja essência é nos sonhar
suponho que há um poeta
e não apenas poema
de que tudo é expressão
e de que o nada é o tema.
AGOSTINHO DA SILVA
Se existiu sempre o que existe
e nenhum fim lhe há-de haver
qual é a ponte que liga
o que foi ao que há-de ser
é a ponte de ir marchando
a ponte de confiar
que é eterno esse poeta
cuja essência é nos sonhar
suponho que há um poeta
e não apenas poema
de que tudo é expressão
e de que o nada é o tema.
AGOSTINHO DA SILVA
domingo, 7 de setembro de 2014
sábado, 6 de setembro de 2014
terça-feira, 2 de setembro de 2014
1479 - «PRAIA DA AREIA BRANCA» TIMOR LESTE
1479
TIMOR LESTE: PRAIA DA AREIA BRANCA SITUADA A 7 KILÓMETROS DE DÍLI. ESTA PRAIA ESTÁ PROTEGIDA DOS TUBARÕES, AO LARGO, POR UMA BARREIRA DE CORAIS. QUANDO ESTIVE EM TIMOR VIM PARA AQUI MUITAS VEZES POIS A ÁGUA ESTAVA À TEMPERATURA DO CORPO, PODIA-SE ALMOÇAR NA ÁGUA
TIMOR LESTE: PRAIA DA AREIA BRANCA SITUADA A 7 KILÓMETROS DE DÍLI. ESTA PRAIA ESTÁ PROTEGIDA DOS TUBARÕES, AO LARGO, POR UMA BARREIRA DE CORAIS. QUANDO ESTIVE EM TIMOR VIM PARA AQUI MUITAS VEZES POIS A ÁGUA ESTAVA À TEMPERATURA DO CORPO, PODIA-SE ALMOÇAR NA ÁGUA
1478 - MAPA DE TIMOR LESTE
1478
MAUBISSE - TIMOR LESTE. AQUI PASSEI
DOIS ANOS DE 1962 A 1964 AO SERVIÇO
DO EXÉRCITO PORTUGUÊS. O CLIMA EM
MAUBISSE ERA UMA PRIMAVERA ETERNA.
A 1600 METROS DE ALTITUDE.
MAPA DE TIMOR LESTE. NO CENTRO DA ILHA LOGO A SEGUIR A "AILEU" FICA "MAUBISSE", ONDE EU PASSEI DOIS ANOS DE 1962 A 1964 AO SERVIÇO DO EXÉRCITO PORTUGUÊS.O CLIMA EM "MAUBISSE" IA DOS 15 AOS 30º.GRAUS, NOITE/DIA
MAUBISSE - TIMOR LESTE. AQUI PASSEI
DOIS ANOS DE 1962 A 1964 AO SERVIÇO
DO EXÉRCITO PORTUGUÊS. O CLIMA EM
MAUBISSE ERA UMA PRIMAVERA ETERNA.
A 1600 METROS DE ALTITUDE.
MAPA DE TIMOR LESTE. NO CENTRO DA ILHA LOGO A SEGUIR A "AILEU" FICA "MAUBISSE", ONDE EU PASSEI DOIS ANOS DE 1962 A 1964 AO SERVIÇO DO EXÉRCITO PORTUGUÊS.O CLIMA EM "MAUBISSE" IA DOS 15 AOS 30º.GRAUS, NOITE/DIA
1476 - «PÁTRIA, LUGAR DE EXÍLIO« - DANIEL FILIPE
1476
PÁTRIA, LUGAR DE EXÍLIO
Neste ano de 1962
não como Nazim Hikmet no avião de pedra
mas na minha cidade
livre de ir onde quizer
e no entanto prisioneiro
neste ano de1962
exactamente
em Lisboa
Avenida de Roma número noventa e três
às três horas da tarde
Neste ano de 1962
encostado a uma esquina da estação do Rossio
esperando talvez a carta que não chega
um amor adolescente
meu Paris não distante
minha África inútil
aqui mesmo
aqui de mãos nos bolsos e o coração cheio de amargura
cumprindo os pequenos ritos quotidianos
cigarro após o almoço
café com pouco açúcar
má-lingua e literatura
Aqui mesmo a não sei quantos graus de latitude
e de enjoo crescente
solitário e agreste
invisível aos olhos dos que amo
ignorado por ti pequeno empregado de escritório preocupado
com um erro de contas
incapaz de dizer toda a minha ternura
operária de fábrica com três filhos famintos
Aqui mesmo envolto na placidez burguesa
higiènicamente limpo e com os papéis em ordem
vestido de nylon dralon leacril
com acabamentos sanitized
e lugar marcado junto do aparelho de TV
eu
enjoado de tudo e cotemporizando com tudo
eu
peça oleada do mecanismo de trituração
eu
incapaz de suicídio descerrando um sorriso-gelosia
eu
apesar de tudo vivo apesar de tudo inquieto
apesar de tudo farto
eu
neste ano de 1962
exactamente
não ontem mas precisamente às três horas da tarde
pela hora oficial
exilado na pátria.
(Pátria, Lugar de Exílio)
DANIEL FILIPE
PÁTRIA, LUGAR DE EXÍLIO
Neste ano de 1962
não como Nazim Hikmet no avião de pedra
mas na minha cidade
livre de ir onde quizer
e no entanto prisioneiro
neste ano de1962
exactamente
em Lisboa
Avenida de Roma número noventa e três
às três horas da tarde
Neste ano de 1962
encostado a uma esquina da estação do Rossio
esperando talvez a carta que não chega
um amor adolescente
meu Paris não distante
minha África inútil
aqui mesmo
aqui de mãos nos bolsos e o coração cheio de amargura
cumprindo os pequenos ritos quotidianos
cigarro após o almoço
café com pouco açúcar
má-lingua e literatura
Aqui mesmo a não sei quantos graus de latitude
e de enjoo crescente
solitário e agreste
invisível aos olhos dos que amo
ignorado por ti pequeno empregado de escritório preocupado
com um erro de contas
incapaz de dizer toda a minha ternura
operária de fábrica com três filhos famintos
Aqui mesmo envolto na placidez burguesa
higiènicamente limpo e com os papéis em ordem
vestido de nylon dralon leacril
com acabamentos sanitized
e lugar marcado junto do aparelho de TV
eu
enjoado de tudo e cotemporizando com tudo
eu
peça oleada do mecanismo de trituração
eu
incapaz de suicídio descerrando um sorriso-gelosia
eu
apesar de tudo vivo apesar de tudo inquieto
apesar de tudo farto
eu
neste ano de 1962
exactamente
não ontem mas precisamente às três horas da tarde
pela hora oficial
exilado na pátria.
(Pátria, Lugar de Exílio)
DANIEL FILIPE
segunda-feira, 1 de setembro de 2014
1475 - EFEMÉRIDES
1475
EFEMÉRIDES
1 DE SETEMBRO DE 1939 – A Alemanha invade a Polónia, iniciando a Segunda Guerra Mundial
EFEMÉRIDES
1 DE SETEMBRO DE 1939 – A Alemanha invade a Polónia, iniciando a Segunda Guerra Mundial
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