segunda-feira, 29 de setembro de 2014

1503 -- «REMORSO INÚTIL» FERNANDA BOTELHO

1503

REMORSO INÚTIL

Foi (ou não foi) uma estranha glória
essa de ter ficado sem remorso?
Cobarde como um insecto, mas segura
da minha cobardia sem história,
da minha glória sentida, que não posso 
renegar ou esquecer. Porque é mais pura
que brancura enevoada do luar.
E secreta, bem secreta. Quem repara
na eternidade secreta que se há-de
em mãos pequenas e vagas estreitar?
Mas não é preciso dum remorso para
soluçar uma alegre eternidade:
viver assim-assim, como um insecto
cobarde e correcto.
                              -- Mas que sabe voar.

FERNANDA BOTELHO


quinta-feira, 25 de setembro de 2014

1501 - «FALAM DE PÃO» FERNANDO LEMOS

1501

«FALAM DE PÃO...»

Falam de pão
mas comem pão
falam de suor     mas tomam banho
falam de amor    mas traem amigos
falam de injustiça
falam de justiça
mas roubam
falam de tudo
mas falam de tudo

falam mas não desistem
não pensam     nem se recusam
ninguém se demite
daquilo que é

entretanto as coisas acontecem
embora poucos olhem para elas

FERNANDO LEMOS

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

1498 - «CONVERSO COM A MORTER» - ANTÓNIO LUIS MOITA

1498

CONVERSO COM A MORTE

Converso com a morte que me diz
que não existe e que os humanos olhos
só vêem quando cegos.

                                          (Pudesse eu
accreditá-la como ao sol que vejo
entre nuvens e anos! Soubesse eu
desfiá-la  nos dedos como à tua
transitória presença!)

                                         Sim, converso
com a morte certeira que me rasga
diàriamente um nada e me antevê
lapiadado, redondo, cristalino,
como antes de nascer desenganado.

ANTÓNIO LUIS MOITA



sexta-feira, 19 de setembro de 2014

1496 - «LE TRÔNE, DÓR» MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO

1496

LE TRÔNE, D´OR,  DE MOI-PERDU

Le trône, d´Or, de Moi-perdu,
S´est écrcroulé
Mai le vainqueur est disparu
Dans le palais...

En vain je cherche son armure,
Sem oriflammes...
(Je ne  Me suis plus aux dorures:
--  Ai-je égorgé mes aigles d´Ame?....)
Tout s´est ternie autour moi
Dan la gloire.
--  Ailleurs, sanglants, mon émoi
Etait d´Ivoir.

Tous les échos vibraient couler
Dans mon  Silance.
Je montais  --  Aile de ma douleur...

J ´étais la coupe de l´Empereur
J´étais le poignard de la Reine
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--------------------------------------

Je me revais aux heures  brodées
Avec des tendresses de Page.
J´étais le roux  d´Autres mirages
Pendant  ma fiévres affilée-...1

1 In Cartas....1 vol., ob. cit. p. 158. De uma carta de
23-6-1914. A ortografia francesa está conforme
ao manuscrito


MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO  

(JUNHO DE 1914)

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

1493 - «MAR DE SETEMBRO»

1493

MAR DE SETEMBRO

Tudo era claro:
céu, lábios, areias.
O mar estava perto,
fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
Dóceis, leves -- só
ritmo e brancura.
Felizes cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam,
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto,
puríssimo, doirado.

EUGÉNIO DE ANDRADE

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

1491 - ANTÓNIO RAMOS ROSA

1491

VIAGEM ATRAVÉS DE UMA NEBULOSA
                         1960

Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar  para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração

ANTÓNIO RAMOS ROSA

domingo, 14 de setembro de 2014

1490 - «COLAGEM» - CARLOS DE OLIVEIRA

1490

                                    COLAGEM
                  Com versos de Desnos, Maiakovski e Rilke

Palavras,
sereis apenas mitos
semelhantes ao mirto
dos mortos ?
Sim.
conheço
a força das palavras,
menos que nada,
menos que pétalas pisadas
num salão de baile,
e no entanto
se eu chamasse
quem dentre os homens me ouviria
sem palavras?

CARLOS DE OLIVEIRA


1489 -- «BALADA DA NEVE» - AUGUSTO GIL

1489

BALADA DA NEVE

Batem leve, levemente,
Como quem chama por mim...
Será chuva ? Será gente ?
Gente não é certamente
E a chuva não bate assim...


É talvez ventania;
Mas há pouco, há poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho...


Quem bate assim levemente,
Com tão estranha levesa
Que mal se ouve, mal se sente ?
Não é chuva, nem é gente,
Nem é vento, com certeza.


Fui ver. A neve caía
Do azul cinzento do céu,
Branca e leve, branca e fria...
-- Há quanto tempo a não via!
E que saudade, Deus meu!


Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
Os passos imprime e traça
Na brancura do caminho...


Fico olhando esses sinais
Da pobre gente que avança
E noto, por entre os mais,
Os traços miniaturais
Duns pèzitos de criança...


E descalcinhos, doridos...
A neve deixa inda vê-los
Primeiro bem definidos,
-- Depois em sulcos compridos,
Porque não podia ergue-los !...


Que quem já é pecador
Sofra tormento, enfim !
Mas as crianças, Senhor,
Porque lhes dais tanta dor ?!...
Porque padecem assim ?!...

AUGUSTO GIL


quinta-feira, 11 de setembro de 2014

1487 - «PEQUENA METÁFORA DA ARANHA E DA MOSCA» ANTÓNIO LUÍS MOITA

1487

PEQUENA METÁFORA DA ARANHA E DA MOSCA

Invisíveis fios de oiro à luz do sol  sem vento
a solitária aranha preparou.
Como que dorme, agora. Aguarda o alimento:
um pequenino insecto desatento,
um impensado voo.

A mosca vem, Zumbe no ar. Esvoaça.
desprevenida, rápida, contente.
A solitária aranha sente a caça:
comprime-se no canto. E a mosca passa
mesmo ao lado da morte, velozmente.

Regressa, logo a após. Mergulha. Evita
uma vez mais a morte certa. A teia
treme. A aranha freme. A morte grita.
A mosca  -  essa  -  permanece alheia.

Ziguezagueia, impávida, Descreve
três círculos concêntricos no espaço.

ANTÓNIO LUÍS MOITA

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

1486 - «LAGOA DA FAJÃ DOS CUBRES» - AÇORES

1486
Zonas Húmidas - Lagoa da Fajã dos Cubres - Concelho 

da Calheta

Ilha de S. Jorge - Açores


terça-feira, 9 de setembro de 2014

1485 - AGOSTINHO DA SILVA

1485

Se existiu sempre o que existe
e nenhum fim  lhe há-de haver
qual é a ponte que liga
o que foi ao que há-de ser

é a ponte de ir marchando
a ponte de confiar
que é eterno esse poeta
cuja essência é nos sonhar

suponho que há um poeta
e não apenas poema
de que tudo é expressão
e de que o nada é o tema.

AGOSTINHO DA SILVA


terça-feira, 2 de setembro de 2014

1481 - DÍLI - TIMOR LEST

1481

DÍLI  -  TIMOR LESTE  (Marginal)

1480 -- TIMOR LESTE

1480
TIMOR LESTE


1479 - «PRAIA DA AREIA BRANCA» TIMOR LESTE

1479
TIMOR LESTE:    PRAIA DA AREIA BRANCA SITUADA A 7 KILÓMETROS DE DÍLI. ESTA PRAIA ESTÁ PROTEGIDA DOS TUBARÕES, AO LARGO,  POR UMA BARREIRA DE CORAIS. QUANDO ESTIVE  EM TIMOR VIM PARA AQUI  MUITAS VEZES POIS A ÁGUA ESTAVA À TEMPERATURA DO CORPO, PODIA-SE ALMOÇAR NA ÁGUA

1478 - MAPA DE TIMOR LESTE

1478
MAUBISSE - TIMOR LESTE. AQUI PASSEI
DOIS ANOS DE 1962 A 1964 AO SERVIÇO
DO EXÉRCITO PORTUGUÊS. O CLIMA EM
MAUBISSE ERA UMA PRIMAVERA ETERNA.
A 1600 METROS DE ALTITUDE.
View from Pousada

MAPA DE TIMOR LESTE. NO CENTRO DA ILHA LOGO A SEGUIR A "AILEU" FICA "MAUBISSE", ONDE EU PASSEI DOIS ANOS DE 1962 A 1964 AO SERVIÇO DO EXÉRCITO PORTUGUÊS.O CLIMA EM "MAUBISSE" IA DOS 15 AOS 30º.GRAUS, NOITE/DIA


Mapa Timor Leste



1477 - TIMOR LESTE

1477

TIMOR LESTE

1476 - «PÁTRIA, LUGAR DE EXÍLIO« - DANIEL FILIPE

1476

PÁTRIA, LUGAR DE EXÍLIO

Neste ano de 1962
não   como Nazim Hikmet   no avião de pedra
mas na minha cidade
livre de ir onde quizer
e    no entanto      prisioneiro
neste ano de1962
exactamente 
em Lisboa
Avenida de Roma número noventa e três
às três horas da tarde

Neste ano de 1962
encostado a uma esquina da estação do Rossio
esperando talvez a carta que não chega
um amor adolescente
meu Paris não distante
minha África inútil
aqui mesmo
aqui de mãos nos bolsos e o coração cheio de amargura
cumprindo os pequenos ritos quotidianos
cigarro após o almoço
café com pouco açúcar
má-lingua e literatura

Aqui mesmo     a não sei quantos graus de latitude
e de enjoo crescente 
solitário e agreste
invisível aos olhos dos que amo
ignorado por ti pequeno empregado de escritório preocupado

com um erro de contas
incapaz de dizer toda a minha ternura
operária de fábrica com três filhos famintos
Aqui mesmo envolto na placidez burguesa
higiènicamente limpo e com os papéis em ordem
vestido  de nylon dralon leacril
com acabamentos sanitized
e lugar marcado junto do aparelho de TV
eu
enjoado de tudo e cotemporizando com tudo 
eu
peça oleada do mecanismo de trituração
eu
incapaz de suicídio descerrando um sorriso-gelosia
eu
apesar de tudo vivo       apesar de tudo inquieto
apesar de tudo farto
eu
neste ano de 1962
exactamente
não ontem   mas precisamente às três horas da tarde
pela hora oficial 
exilado na pátria.
                             (Pátria, Lugar de Exílio)


DANIEL FILIPE

segunda-feira, 1 de setembro de 2014