domingo, 14 de setembro de 2014

1489 -- «BALADA DA NEVE» - AUGUSTO GIL

1489

BALADA DA NEVE

Batem leve, levemente,
Como quem chama por mim...
Será chuva ? Será gente ?
Gente não é certamente
E a chuva não bate assim...


É talvez ventania;
Mas há pouco, há poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho...


Quem bate assim levemente,
Com tão estranha levesa
Que mal se ouve, mal se sente ?
Não é chuva, nem é gente,
Nem é vento, com certeza.


Fui ver. A neve caía
Do azul cinzento do céu,
Branca e leve, branca e fria...
-- Há quanto tempo a não via!
E que saudade, Deus meu!


Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
Os passos imprime e traça
Na brancura do caminho...


Fico olhando esses sinais
Da pobre gente que avança
E noto, por entre os mais,
Os traços miniaturais
Duns pèzitos de criança...


E descalcinhos, doridos...
A neve deixa inda vê-los
Primeiro bem definidos,
-- Depois em sulcos compridos,
Porque não podia ergue-los !...


Que quem já é pecador
Sofra tormento, enfim !
Mas as crianças, Senhor,
Porque lhes dais tanta dor ?!...
Porque padecem assim ?!...

AUGUSTO GIL


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