domingo, 22 de fevereiro de 2015

1614 - EDIFÍCIO DOS CTT, NA PRAÇA DE D.LUIS EM LISBOA

1614

ERAM NAQUELA ALTURA, AS CENTRAIS TELEGRÁFICA E TELEFÓNICA,  DE LISBOA.
       FOI AQUI QUE EU COMECEI  A TRABALHAR COM 16 ANOS DE IDADE, E FOI AINDA AQUI, QUE ESTUDANDO 
À NOITE, EU CONCLUÍ  O CURSO GERAL DOS LICEUS.           
VIM INAUGURAR ESTE EDIFÍCIO  E TERMINEI AONDE COMECEI. 
         MAL SABIA EU, QUE COM 60 ANOS DE IDADE PASSARIA À REFORNA NESTE MESMO EDIFÍCIO. NO QUAL
COMECCEI A TRABALHAR AINDA MUITO NOVO.


sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

1613 - «A DÉBIL» - CESÁRIO VERDE

1613

      A   DÉBIL

Eu, que sou feio, sólido, leal, 
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.

Sentado à mesa dum café devasso,
Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura,
Nesta Babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.

E, quando socorreste um miserável,
Eu, que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, saudável.

«Ela aí vem!», disse eu para os demais;
E pus-me a olhar, vexado e suspirando,
O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
Na frescura dos linhos matinais.

Via-te pela porta envidraçada;
E invejava  -  talvez que o não suspeites! --
Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura  tenra, imaculada.

Ia passando, a quatro, o patriarca.
Triste eu saí. Doia-me a cabeça;
Uma turba ruidosa, negra, espessa,
Voltava das exéquias dum monarca.

Adorável !  Tu muito natural
Seguias a pensar no teu bordado;
Avultava, num largo arborizado,
Uma estátua de rei num pedestal.

Sorriem nos seus trens os titulares;
E ao claro sol guardava-te, no entanto,
A tua boa mãe, que te ama tanto,
Que não te morrerá sem te casares!

Soberbo dia! Impunha-me respeito
A limpidez do teu semblante grego;
E uma familia, um ninho de sossego,
Desejava beijar sobre o teu peito.

Com elegância e sem ostentação,
Atravessavas, branca, esbelta e fina,
Uma chusma de padres de batina
E de altos funcionários da nação.

«Mas se a atropela o povo turbulento!
Se fosse, por acaso, ali pisada!»
De repente, paraste embaraçada
Ao pé dum numeroso ajuntamento.

E eu, que urdia estes fáceis esbocetos,
Julguei ver, com a vista do poeta,
Uma pombinha tímida e quita
Num bando ameaçador de corvos pretos.

E foi, então, que eu, homem varonil,
Quis dedicar-te a minha pobre vida,
A ti, que és ténue, dócil, recolhida,
Eu, que sou hábil, prático, viril.

                Novembro, 1876.

CESÁRIO VERDE

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

1612 - « CONTRARIEDADES» - CESÁRIO VERDE

1612

CONTRARIEDADES

Eu hoje estou cruel, frenético, exigente:
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível ! Já fumei três maços de cigarros
                   Consecutivamente.

Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, nos ácidos, os gumes
                   E os ângulos agudos.

Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmôes doentes;
Sofre de falta de ar; morreram-lhe os parentes
                    E engoma para fora.

Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortífica.
Lidando sempre! E deve a conta na botica!
                   Mal ganha para sopas ...

O obstáculo estimula, torna-nos perversos,
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias.
Po causa dum jornal me rejeitar, há dias,
                 Um folhetim de versos.

Que mau homor! Rasguei uma epopeia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais uma redacção das que elogiam tudo,
                Me tem fechado a porta.

A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papeis inéditos. A imprensa
               Vale um desdém solene.

Com raras excepções, merece-me o epigrama.
Deu meia-noite; e em paz pela calçada abaixo,
Um sol-e-dó. Chovisca. O populacho
                Diverte-se na lama.

Eu nunca dediquei poemas às fortunas,
Mas sim, por deferência, a amigos ou artistas.
Independente!  Só por isso os jornalistas
                Me negam as colunas.

Receiam que o assinante ingénio os abandone,
Se forem publicar tais coisas, tais autores.
Independente! Só por isso os jornalistas
                Deliram por Zaccone.

Um prosador qualquer desfruta fama honrosa.
Obtém dinheiro, arranja a sua coterie;
E a mim, não há questão que mais me contrarie
               Do que escrever em prosa.

A adulação repugna aos sentimentos finos;
Eu raramente falo aos nossos literatos.
E apuro-me em lançar originais e exactos
                Os meus alexandrinos ...

E a tísica? Fechada, e com o ferro aceso!
Ignora que asfixia a combustão das brasas.
Não foge do estendal  que lhe humedece as casas.
                E fina-se ao desprezo!

Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova.
Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente,
Oiço-a cantarolar uma canção plangente
                 Duma opereta nova!

Perfeitamente. Vou findar sem azedume.
Quem se depois, eu rico e noutros climas,
Conseguirei reler essas antigas rimas,
                Impressas em volume?

Nas letras eu conheço um campo de manobras;
Emprega-se a réclame, a intriga, o anúncio, a blague,
E esta poesia pede um editor que pague
              Todas as minhas obras ...

E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem seia?
Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. é feia ...
              Que mundo! Coitadinha!

CESÁRIO VERDE

1611 - LUA DE LISBOA

1611

LUA DE LISBOA

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

1610 - «HUMILHAÇÕES» - CESÁRIO VERDE

1610

HUMILHAÇÕES

                      De todo o coração  --  a Silva Pinto

Esta aborrece quem é pobre. Eu, quase Job,
Aceito os seus desdéns, seus ódios, idrolatro-os;
E espero-a nos salões  dos principais teatros,
           Todas as noites, ignorado e só.

Lá cansa-me o ranger da seda, a orquestra, o gás;
As damas, ao chegar, gemem nos espartilhos,
E enquanto vão passando as cortesás e os brilhos,
            Eu analiso as peças no cartaz.

Na representção dum drama de Feuillet,
Eu aguardava, junto à porta, na penunbra,
Quando a mulher nervosa e vã que me deslumbra
            Saltou soberba o estribo do coupé.

Como ela marcha! Lembra um magnetizador,
Roçavam no veludo as guarnições das rendas;
E, muito embora tu, burguês, me não entendas,
            Fiquei batendo os dentes de terror.

Sim!  Porque não podia abandoná-la em paz
Ó minha pobre bolsa, amortalhou-se a ideia
Ds vê-la aproximar, sentado na plateia,
           De tê-la num binóculo mordaz!

Eu ocultava o fraque usado nos botões;
Cada contratador dizia em voz rouquenha:
-- Quem compra algum bilhete ou vende uma senha?
          E ouviam-se cá fora as ovações.

Que desvanecimento!  A pérola do Tom!
As outras ao pé dela imitam de bonecas;
Têm menos melodia as arpas e as babecas,
         Nos grandes espectácolo do Som.

Ao mesmo tempo, eu não deixava de a abranger;
Via subir, direita, a larga escadaria.
E entrar no camarote. Antes estimaria
          Que o chão se abrisse para a abater

Saí; mas ao sair senti-me atropelar.
Era um municipal sobre um cavalo. A guarda
Espanca o povo, irei-me; e eu, que detesto a farda~,
          Cresci com raiva contra o militar.

De súbito, fanhosa, infecta, rota, má,
Pôs-se na minha frente uma velhinha suja
E disse-me, piscando os olhos de coruja;
--- Meu bom senhor! Dá-me um cigarro, Dá? ...


CESÁRIO VERDE

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

1609 - «MERIDIONAL» - CESÁRIO VERDE

1609

MERIDIONAL

       CABELOS

Ó  vagas de cabelo esparças longamente.
Que sois o vasto espelho onde eu me vou mirar.
E tendes o cristal  dum lago refulgente
E a rude escuridão dum largo e negro mar:

Cabelos torrenciais daquela que me enleva.
Deixai-me mergulhar as mãos e os braços nus
No báratro febril da vossa grande treva.
Que tem cintilações e meigos céus de luz.

Dexai-me navegar, morosamente,  a remos,
Quando ele estiver brando e livre de tufões,
E ao plácido luar, ó vagas, marulhemos
E enchamos de harmonia as amplas solidões.

Deixai-me naufragar no cimo dos cachopos
Ocultos nesse abismo ebânico e tão bom
Como um licor renano a fermentar nos copos.
Abismo que se espraia em rendas de Alençon!

E ó mágica mulher, ó minha :Inegualável,
Que tens o imenso  bem de ter cabelos tais.
E os pisos desdenhosa, altiva, imperturbável,
Entre o rumor banal  dos hinos triunfais.

Consente que eu aspire esse perfume raro,
Que exalas da cabeça erguida com fulgor,
Perfume que estonteia um milionário avaro
E faz morrer de febre um louco sonhador.

Eu sei que tu possuies balsámicos desejos,
E vais na direcção constante do querer,
Mas ouço, ao ver-te andar, melódicos harpejos,
Que fazem mansamente amar e enlanguescer.

E a tua cabeleira, errante pelas costas,
Suponho que te serve, em noites de Verão,
De flácido  espaldar aonde te recostas
Se sentes o abandono e a morna prostração.

E ela há-de, ela há-de, um dia, em turbilhões insanos
Nos rolos envolver-me e amar-me do vigor
Que antigamente deu, nos circos dos Romanos.
:Um óleo para ungir o corpo ao gladiador.

Ó mantos de veludo  esplêndido e sombrio.
Na vossa vastidão posso talvez morrer!
Mas vinde-me aquecer, que eu tenho muito frio
E  quero axfiar-me  em ondas de prazer.

CESÁRIO VERDE

1608 - LISBOA - RUA DO ALECRIM

1608

LISBOA  -  RUA DO ALECRIM
Vendo-se ao fundo o rio Tejo e a outra banda (Cacilhas)

sábado, 14 de fevereiro de 2015

1607 -- CESÁRIO VERDE - «DESLUMBRAMENTOS»

1607

DESLUMBRAMENTOS

Milany, é perigoso contemplá-la.
Quando passa aromática e anormal,
Com seu tipo tão nobre e tão de sala,
Com seus gestos de neve e de metal.

Sem que nisso a desgoste ou desenfade,
Quantas vezes, seguindo-lhe as passadas,
Eu vejo-a, com real solenidade,
Ir impondo toilettes complicadas! ...

Em si tudo me atrai como um tesoiro:
O seu ar pensativo e senhoril,
A sua voz que tem um trimbe de oiro
E o seu nevado e lúcido perfil!

Ah! Como me estonteia e me fascina ...
E é, na graça distinta do porte,
Como a moda supérflua e feminina,
E tão alta e serena como a Morte! ...

Eu ontem encontreia-a, quando vinha,
Britânica, e fazendo-me assombrar;
Grande dama fatal, sempre sozinha,
E com firmeza e música no andar!

O seu olhar possui, num jogo ardente,
Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo;
Como um florete, fere agudament,
E afaga como o pêlo dum regalo!

Pois bem. Conserve o gelo por esposo.
E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos,
O modo diplomático e orgulhoso
Que Ana de Áustria  mostrava aos cortesãos.

E enfim prossiga altiva como a Fama
Sem sorrisos, dramática, cortante;
Que eu procuro fundir na minha chama
Seu ermo coração, como um brilhante.

Mas cuidado, milany, não se afoite,
Que hão-de acabar os bárbaros reais,
E os povos humilhados, pela noite,
Para a vingança  aguçam os punhais.

E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,
Sob o cetim do Azul e as andorinhas,
Eu hei-de ver errar, alucinadas,
E arrastando farrapos  -- as rainhas!

CESÁRIO VERDE

CESÁRIO VERDE NASCEU EM LISBOA
EM 1855 E MORREU EM 1886,
DE TUBERCULOSE, COM APENAS 31
ANOS DE IDADE. O PAI DE CESÁRIO VERDE,
TINHA UMA LOJA DE FERRAGENS NA
BAIXA LISBOETA, ONDE ELE PASSAVA
ALGUM TEMPO  A AJUDAR O PAI.
       NAQUELE TEMPO TODA GENTE SE
CONHECIA. CESÁRIO VERDE SUBIA E DESCIA
MUITAS VEZES O "CHIADO". E NUMA RUA DO
CHIADO HAVIA UM RAPAZ NUMA LOJA QUE HOJE
JÁ NÃO EXISTE QUE QUANDO O CESÁRIO PASSAVA
DIZIA LÁ DE DENTRO "OLÁ CESÁRIO AZUL" ?
AO QUAL CESÁRIO RESPONDIA "OLÁ SEU TROCA TINTAS"
               FERNANDO PESSOA ERA UM GRANDE
ADMIRARADOR DE CESÁRIO VERDE.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

1602 - «AS DISSONÂNCIAS» - JOÃO RUI DE SOUSA

1602

AS DISSONÂNCIAS

A minha vida é esta esperança acessória,
esta dor que embala e não promete,
é este estar contente como quem parece
descrer doutra ventura e não se cala.

É este saber eternamente
assentar em cheio minhas seteiras
e estar eternamente calmo (ou estar escondido),
calando sempre as minhas três maneiras.

A minha vida é este erguer de bruma
e  -- sempre que é preciso  -- recordar alguém,
já morto, à noite, à cabeceira,

até cair de novo, ao sono e ao sol-posto,
no tempo vão, inerme e obstruído
de sonhar de novo e de qualquer maneira.

JOÃO RUI DE SOUSA

1601- Enrico Macias - Zingarella -Gina Lollobrigida


1601
enrico macias -zingarella - gina lolobrigida

Enrico Macias - Zingarella -Gina Lollobrigida


segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

1596 - «MORTE» - W. B. YEATS

1596

DEATH

Nor dread nor hope attend
A dying animal;
A men awaits his end
Dreading and hoping all;
Many times he died,
Many timy times rose again.
A great man in his pride
Confronting murderous men
Cast derision upon
Supersession of breath;
He knows death  to the bone --
Man has created death.

W.  B.  YEATS

MORTE

Nem temor nem esperança assistem
Ao animal agonizante;
O homem que seu fim aguarda
Tudo teme e espera;
Muitas vezes morreu
Muitas vezes de novo se ergueu.
Um grande homem na sua altivez.
Ao enfrentar assassinos
Com desdém julga
A falta de alento;
Ele conhece a morte até ao fundo --
O homem criou a sua morte.

W.  B.  YEATS

domingo, 1 de fevereiro de 2015

1595 - «DO BLOG DEMOCRACIA EM PORTUGAL»

1595

Persona, ou o fim despersonalizado dos Regimes


É consensual a ausência de humor, em Portugal. A mais acabada prova provada desse fracasso cultural é o sucesso que um fragmento presencial de um oligofrénico, Hugo Rosa, atropelador de todos os valores, incluindo o do direito soberano à inteligência, possa agora estar a gozar, no Youtube das últimas semanas. Como hoje se diz, a estupidez tornou-se viral, ou pior do que isso, agarrou-se ao Princípio de Peter e passou a dirigir a própria Televisão.

Para quem conhecesse esses mesmos gajos das "Produções Fictícias" e as suas célebres pielas, mescladas de conas de pretas, nas altas horas das "Docas"
, em paridade com o inapto Passos Coelho, ainda não Primeiro Ministro da Cauda da Europa, mas já no limiar do coma alcoólico, a coisa seria surpreendente, mas realmente não me surpreende em nada, habituado a um país onde os esgotos correm, não para baixo, mas para cima.

Como dizia o outro, o Humor não é inefável, mas físico e corpóreo, ou seja, exerce-se sempre CONTRA alguém, e Portugal, idiossincraticamente, não suporta que ninguém do seu miserável imaginário possa ser posto em causa: isso perturba o estado das coisas, e syriza a calma podre das almas medíocres. A esta altura estarão a perguntar, por que é que este, com o Mundo no estado em que está, vem aqui  falar de Humor, mas eu não venho falar de Humor, mas sim da Estupidez, que é uma das faces do estrangulamento da coisa humorística, e pode ser o cenário da própria morte, como essa patética encenação de "Charlie", o qual, como o perfil incómodo das Twin Towers, foi arredado, à bruta, do horizonte.

Na verdade, este era um texto de 2014, que foi forçado à lista de espera, pela premência do horror de Paris e da lufada de ar fresco de Atenas, e vem agora, buscando como contra exemplo da crítica que fiz, uma escrita de enorme qualidade, cujo alvo é aquela degenerescência cultural que dá pelo nome de Letizia Ortiz, uma oportunista, que se pendurou, aliás, mais propriamente, que se pilar del riozou na Monarquia Española. O texto é tão bom, naquela sólida veia das cantigas de escárnio e mal dizer, que quase me apetece transcrevê-lo, em vez de o glosar, mas vamos à glosa, para que todos possamos participar.

Começa assim: "Letizia Ortiz Rosacolano é uma anorética que ganhava a vida de "periodista" junto de Urdaci, até que se converteu, pelo matrimónio com o herdeiro da Coroa de España, na Princesa Herdeira Consorte do Reino de España. Fizeram-lhe uma transfusão e passou de pura plebeia de esquerda e "porreta" a ter sangue azul "y a creerse sandiós". Hoje em dia é mais monárquica que Felipe, e isso criou muitos anticorpos".

Evidentemente que só um princípio de isomorfismo poderia encontrar uma operacionalidade entre a cáustica introdução anterior e um casamento contra a natureza, que uniu a hiena Carrilha e a hiena Guimarães, com aquela célebre metamorfose que faz com que, no falecimento do macho, uma das fêmeas desenvolva o pénis, para cumprir a fecundação. Claro que o isomorfismo é flácido, mas também o é o pénis, e nós, cá, somos mais modestos.

Segue o texto: "desde que Letizia se casou com o príncipe, operou-se tanto que se acredita que até consiga bater o recorde de Michael Jackson", embora pensemos que a sua estrutura óssea e a resistência dérmica a tanto não permitam e algum melanoma subitamente lhe interrompa a metamorfose, alheia a Kafka.

O passo seguinte da biografia é um da capo, construído, em espelho, como a Matthaüs Passion, BWV 244, e recorda, "quando nasceu, os médicos pensaram que a sua mãe tinha parido um nariz gigante, para lgo se darem conta do erro, já que atrás vinha uma menina com cara de cavalo...", e chamo a atenção para este episódio comovente, que prova que as cosmogenias têm sempre traços comuns, e esta epifania tanto se podia aplicar a Letizia Ortiz como a Camila Parker-Bowles, o que é uma das provas cartesianas da existência de Deus.

Parece que a este nascimento se sucedeu o desovar de duas outras bucetas, Telma e Érika, sendo que a última "murió a los 31 años de edad por ingestión masiva de un fármaco", dor só com paralelo com a partida para o Aquém de Margarida Marante, na forma da Maragreta Marada da queima cocada.

A parte fulcral vem agora, já que eu não estaria, sequer, a abordar este tema, caso o ex marido não tivesse, depois de um longo silêncio, que eu, um otimista, tenha pensado ser devido à Razão de Estado, mas poder não passar, afinal, de um passo do crescente leiloar de valores, que agora terão atingido os patamares pretendidos por Alonso Guerrero, para publicar as memórias dos 10 anos em que andou a pernoitar na boca da servidão da Consorte de España. Eu sei que os números espantam, não os associados aos direitos de autor dessa década escabrosa, mas sim a que, entre o casamento com o Jumento das Astúrias e a atualidade tenha havido espaço para um matrimónio de uma década. A verdade é que esta Bárbara Guimarães da Meseta Ibérica se enfiou debaixo do Professor de Literatura do Instituto Alfonso II aos 16 anos (!), o que diz muito sobre as perturbações emocionais e as ambições da anorética, Letizia Ortiz. Que a encornada estivesse grávida, e Alonso Guerreo a tenha deixado prenha e de peles descaídas, para montar a futura Reyna de España pouco conta, já que a generosidade dos pais de Leti -- é assim que a tratam -- tenha decidido albergar a pequena puta, o professor Der Blaue Engel mais o par de cornos da abandonada.

Até à próxima publicação do diário de Guerrero, pouco se sabe sobre este idílio de 10 anos, se excetuarmos que se revestiu do típico episódio de posse de drogas, para a constipação, e descambou num típico aborto, o que faz com que as infantas pálidas e goyescas dos Borbón tenham, algures, lá no céu das alminhas pardas, um pequeno morcego, aliás, morcega, aliás murcièlaga, arrancado com agulha de croché, do abençoado ventre de sua mãe, inveterada parideira de fêmeas, e, contornada a Lei Sálica, etérea herdeira, in partibus, do Trono Bicéfalo de España.

Passou, depois, pela sua fase Clara Pinto Correia, quando "se fue a hacer un Máster a Mexico y entre mojitos e tequillas, se lió con el dueño del periódico Siglo XXI", uma espécie de "Expresso" sem "Visão" de aqui ao lado. Foi, nesses entretantos, musa do pintor cubano Waldo Saavedra... e.... e... não, estão enganados, não lhe fotografou os orgasmos, mas "expô-se-a" toda descascada num quadro, escarrapachado na parede de um restaurante duvidoso, até acabar como "imagen promocional de uno de los discos del grupo Maná", e aqui, surpreendam-se, ao contrário da alcoólica da "Lusófona", todo este trajeto "le llevó a no terminar el doctorado", onde se prova que entre abrir as pernas a velhos e concluir doutoramentos não existe, propriamente, um coeficiente de correlação, por muito que tal espante o Carlos Moedas.

Há todavia, semelhanças: enquanto a outra, na forma de um adeus princesa da puta que a pariu, aviava todos os alemães da extinta Base de Beja, já a Letizia marchava para o Crescente Fértil, uma espécie de Florence Nightingale do ovário de eva, que se estendia para "una tórrida aventura con un militar americano destinado por aquellos desérticos parajes".

As carreiras profissionais complementares são, depois, de Lineu, e todas as fizeram na rota horizontal: "a CNN+, um canal privado do Grupo Prisa, no qual se escarrapachou, durante dois anos, retransmitindo as notícias matinais, numa grelha "que empezaba su emisión a las cinco de la mañana, hora mítica que pocos saben si existe". É normal que pouco se saiba disso, exceto que foi aí que Carlos Francino e David Tejera a montaram, bem à justinha, bem antes do noivado com o Garanhão Asturiano.

O resto é Peter puro: já com o noivado em marcha, com Felipe entre o zapping e o fapping (arcaica onomatopeia anglicista para "punheteio"...), galgou para a Televisión Española, no seu "Informe Semanal", galambizando-se para a Segunda Edición do Telediario, e voltando a galambizar-se ainda mais, ao lado de Alfredo Urdaci, naqueles célebres duetos de telejornal da hora de maior audiência. Nada de novo, já que o que pesou nela não foi o "aventalinho", mas a arte de bem abrir as pernas para toda a sela. Poucos se deram conta, aí, de que "la Princesa podría llevar corrector dental para mejorar el aspecto de sus dientes". Nesta fase da sua ascensão meteórica, chamavam-lhe, e bem, "Lecticia, la ficticia".

Aqui é necessário fazer uma pausa, e um ponto da situação, já que sendo "periodista, no estaba preparada para ser reina", muito menos por que "conoció al príncipe Felipe siendo prostituta de lujo [...] com padres divorciados" e ela própria divorciada de um casamento abortado, quer pelo fracasso, quer pelo aborto com que culminara. "Pero ao final, el amor pudo con todo y el Príncipe y la periodista se casaron contra todo pronóstico", e, melhor ainda, "la sentencia de divorcio con el professor de literatura desapareció del registro y se guardó bajo siete llaves y lejos de miradas indiscretas".

Depois de se casar, e como choviam milhões, viciou-se no botox e na cirurgia. "Para disimular la frovolidad dijeron que lo que se hizo fue una intervención de septorrinoplastia con el fin de mejorar sus problemas respiratorios". Não cremos que tal se deva a entupimento de coca, mas, a seu tempo, poderemos consultar o Miguel Sousa Tavares sobre tal temática, já que quem tanto sabe de si, porventura mais dos outros saberá, "pero da risa a pesar que se haya operado con el dinero de sus súbditos y no con el suyo cuando trabajaba de periodista de segunda. Luego le siguió otra de eliminación de bolsas de los ojos, otra de pómulos, aumento de pechos, aparato dental y relleno de ácido hialurónico en cada arruga tres veces al año".

"Si algo bueno se puede sacar de esta unión es que sus genes anulen un poco los genes de los Borbones que hacen que nazcan con cara de retrasados. La primera fue Leonor, luego Sofía de Borbón" e espera-se que mais bucetas se lhe sigam , já que, "actualmente se desahoga con su guardaespaldas, al cual le hace de todo menos la cobra..."


Para extraordinário, nada de mais exemplificativo, sendo que o feito subliminar de tal prosa seja que, desde então, confunda o arquétipo da personagem com a sua satirização: dela, doravante, o que primeiro veremos não será a sua ficção pública, mas o realismo da sua descrição. O mito foi liminarmente trucidado.


Sendo o texto fantástico, e na linhagem da melhor veia do sarcasmo peninsular, cumpre realçar aqui o seu outro intuito, que é uma alegoria do fim dos regimes: assim como as personagens podem ser excelentes, ao ponto de nos fazerem aderir a uma mudança de paradigma, também podem ser tão repugnantes ao ponto de fazerem vacilar o Regime em que medraram. Com Juan Carlos, cheguei, com España, a ser monárquico, para agora me tornar, et pour cause, com Felipe e Letizia, republicano. Já em Portugal, a coisa é ainda mais nauseante, com a fulanização do Regime a poder tornar-se tão atroz através de coisas, como Aníbal Cavaco Silva, a ocuparem a Presidência da República. Mesmo que mais não fosse, por pura higiene, alimárias dessas podem levar-nos a andar às rodas, às rodas, a pensar numa espécie de fuga em frente, para uma qualquer aflição monárquica, mesmo que sem objeto de fixação.


É muito mau, não é?... E é por isto, que, por vezes, nos dá mesmo vontade de syrizar, não dá?...

 «Do Blog Democracia em Portugal»

1594 - «A PEDRA», «ÁRVORE» - ANTÓNIO RAMOS ROSA

1594

A PEDRA

A pedra é bela, opaca,
peso-a gostosamente como um pão.
É escura, baça, terrosa, avermelhada.
polvilhada de cinza.
Contemplo-a: é evidente, impenetrável,
preciosa.


ÁRVORE

Forço e quero ao fundo delicadamente
como subindo no sentido da ceiva
espraiar-me nas folhas verdejantes,
espaçado vento repousando em taças,
mão que se alarga e se espalma em verde lava,
tronco em movimento enraizado,
surto da terra, habitante do ar,
flexíveis palmas, movimentos, haustos,
verde unidade silenciosa.

ANTÓNIO RAMOS ROSA