segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

1609 - «MERIDIONAL» - CESÁRIO VERDE

1609

MERIDIONAL

       CABELOS

Ó  vagas de cabelo esparças longamente.
Que sois o vasto espelho onde eu me vou mirar.
E tendes o cristal  dum lago refulgente
E a rude escuridão dum largo e negro mar:

Cabelos torrenciais daquela que me enleva.
Deixai-me mergulhar as mãos e os braços nus
No báratro febril da vossa grande treva.
Que tem cintilações e meigos céus de luz.

Dexai-me navegar, morosamente,  a remos,
Quando ele estiver brando e livre de tufões,
E ao plácido luar, ó vagas, marulhemos
E enchamos de harmonia as amplas solidões.

Deixai-me naufragar no cimo dos cachopos
Ocultos nesse abismo ebânico e tão bom
Como um licor renano a fermentar nos copos.
Abismo que se espraia em rendas de Alençon!

E ó mágica mulher, ó minha :Inegualável,
Que tens o imenso  bem de ter cabelos tais.
E os pisos desdenhosa, altiva, imperturbável,
Entre o rumor banal  dos hinos triunfais.

Consente que eu aspire esse perfume raro,
Que exalas da cabeça erguida com fulgor,
Perfume que estonteia um milionário avaro
E faz morrer de febre um louco sonhador.

Eu sei que tu possuies balsámicos desejos,
E vais na direcção constante do querer,
Mas ouço, ao ver-te andar, melódicos harpejos,
Que fazem mansamente amar e enlanguescer.

E a tua cabeleira, errante pelas costas,
Suponho que te serve, em noites de Verão,
De flácido  espaldar aonde te recostas
Se sentes o abandono e a morna prostração.

E ela há-de, ela há-de, um dia, em turbilhões insanos
Nos rolos envolver-me e amar-me do vigor
Que antigamente deu, nos circos dos Romanos.
:Um óleo para ungir o corpo ao gladiador.

Ó mantos de veludo  esplêndido e sombrio.
Na vossa vastidão posso talvez morrer!
Mas vinde-me aquecer, que eu tenho muito frio
E  quero axfiar-me  em ondas de prazer.

CESÁRIO VERDE

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