1607
DESLUMBRAMENTOS
Milany, é perigoso contemplá-la.
Quando passa aromática e anormal,
Com seu tipo tão nobre e tão de sala,
Com seus gestos de neve e de metal.
Sem que nisso a desgoste ou desenfade,
Quantas vezes, seguindo-lhe as passadas,
Eu vejo-a, com real solenidade,
Ir impondo toilettes complicadas! ...
Em si tudo me atrai como um tesoiro:
O seu ar pensativo e senhoril,
A sua voz que tem um trimbe de oiro
E o seu nevado e lúcido perfil!
Ah! Como me estonteia e me fascina ...
E é, na graça distinta do porte,
Como a moda supérflua e feminina,
E tão alta e serena como a Morte! ...
Eu ontem encontreia-a, quando vinha,
Britânica, e fazendo-me assombrar;
Grande dama fatal, sempre sozinha,
E com firmeza e música no andar!
O seu olhar possui, num jogo ardente,
Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo;
Como um florete, fere agudament,
E afaga como o pêlo dum regalo!
Pois bem. Conserve o gelo por esposo.
E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos,
O modo diplomático e orgulhoso
Que Ana de Áustria mostrava aos cortesãos.
E enfim prossiga altiva como a Fama
Sem sorrisos, dramática, cortante;
Que eu procuro fundir na minha chama
Seu ermo coração, como um brilhante.
Mas cuidado, milany, não se afoite,
Que hão-de acabar os bárbaros reais,
E os povos humilhados, pela noite,
Para a vingança aguçam os punhais.
E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,
Sob o cetim do Azul e as andorinhas,
Eu hei-de ver errar, alucinadas,
E arrastando farrapos -- as rainhas!
CESÁRIO VERDE
CESÁRIO VERDE NASCEU EM LISBOA
EM 1855 E MORREU EM 1886,
DE TUBERCULOSE, COM APENAS 31
ANOS DE IDADE. O PAI DE CESÁRIO VERDE,
TINHA UMA LOJA DE FERRAGENS NA
BAIXA LISBOETA, ONDE ELE PASSAVA
ALGUM TEMPO A AJUDAR O PAI.
NAQUELE TEMPO TODA GENTE SE
CONHECIA. CESÁRIO VERDE SUBIA E DESCIA
MUITAS VEZES O "CHIADO". E NUMA RUA DO
CHIADO HAVIA UM RAPAZ NUMA LOJA QUE HOJE
JÁ NÃO EXISTE QUE QUANDO O CESÁRIO PASSAVA
DIZIA LÁ DE DENTRO "OLÁ CESÁRIO AZUL" ?
AO QUAL CESÁRIO RESPONDIA "OLÁ SEU TROCA TINTAS"
FERNANDO PESSOA ERA UM GRANDE
ADMIRARADOR DE CESÁRIO VERDE.
DESLUMBRAMENTOS
Milany, é perigoso contemplá-la.
Quando passa aromática e anormal,
Com seu tipo tão nobre e tão de sala,
Com seus gestos de neve e de metal.
Sem que nisso a desgoste ou desenfade,
Quantas vezes, seguindo-lhe as passadas,
Eu vejo-a, com real solenidade,
Ir impondo toilettes complicadas! ...
Em si tudo me atrai como um tesoiro:
O seu ar pensativo e senhoril,
A sua voz que tem um trimbe de oiro
E o seu nevado e lúcido perfil!
Ah! Como me estonteia e me fascina ...
E é, na graça distinta do porte,
Como a moda supérflua e feminina,
E tão alta e serena como a Morte! ...
Eu ontem encontreia-a, quando vinha,
Britânica, e fazendo-me assombrar;
Grande dama fatal, sempre sozinha,
E com firmeza e música no andar!
O seu olhar possui, num jogo ardente,
Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo;
Como um florete, fere agudament,
E afaga como o pêlo dum regalo!
Pois bem. Conserve o gelo por esposo.
E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos,
O modo diplomático e orgulhoso
Que Ana de Áustria mostrava aos cortesãos.
E enfim prossiga altiva como a Fama
Sem sorrisos, dramática, cortante;
Que eu procuro fundir na minha chama
Seu ermo coração, como um brilhante.
Mas cuidado, milany, não se afoite,
Que hão-de acabar os bárbaros reais,
E os povos humilhados, pela noite,
Para a vingança aguçam os punhais.
E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,
Sob o cetim do Azul e as andorinhas,
Eu hei-de ver errar, alucinadas,
E arrastando farrapos -- as rainhas!
CESÁRIO VERDE
CESÁRIO VERDE NASCEU EM LISBOA
EM 1855 E MORREU EM 1886,
DE TUBERCULOSE, COM APENAS 31
ANOS DE IDADE. O PAI DE CESÁRIO VERDE,
TINHA UMA LOJA DE FERRAGENS NA
BAIXA LISBOETA, ONDE ELE PASSAVA
ALGUM TEMPO A AJUDAR O PAI.
NAQUELE TEMPO TODA GENTE SE
CONHECIA. CESÁRIO VERDE SUBIA E DESCIA
MUITAS VEZES O "CHIADO". E NUMA RUA DO
CHIADO HAVIA UM RAPAZ NUMA LOJA QUE HOJE
JÁ NÃO EXISTE QUE QUANDO O CESÁRIO PASSAVA
DIZIA LÁ DE DENTRO "OLÁ CESÁRIO AZUL" ?
AO QUAL CESÁRIO RESPONDIA "OLÁ SEU TROCA TINTAS"
FERNANDO PESSOA ERA UM GRANDE
ADMIRARADOR DE CESÁRIO VERDE.
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