1612
CONTRARIEDADES
Eu hoje estou cruel, frenético, exigente:
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível ! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.
Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, nos ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.
Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmôes doentes;
Sofre de falta de ar; morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.
Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortífica.
Lidando sempre! E deve a conta na botica!
Mal ganha para sopas ...
O obstáculo estimula, torna-nos perversos,
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias.
Po causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.
Que mau homor! Rasguei uma epopeia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais uma redacção das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.
A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papeis inéditos. A imprensa
Vale um desdém solene.
Com raras excepções, merece-me o epigrama.
Deu meia-noite; e em paz pela calçada abaixo,
Um sol-e-dó. Chovisca. O populacho
Diverte-se na lama.
Eu nunca dediquei poemas às fortunas,
Mas sim, por deferência, a amigos ou artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.
Receiam que o assinante ingénio os abandone,
Se forem publicar tais coisas, tais autores.
Independente! Só por isso os jornalistas
Deliram por Zaccone.
Um prosador qualquer desfruta fama honrosa.
Obtém dinheiro, arranja a sua coterie;
E a mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.
A adulação repugna aos sentimentos finos;
Eu raramente falo aos nossos literatos.
E apuro-me em lançar originais e exactos
Os meus alexandrinos ...
E a tísica? Fechada, e com o ferro aceso!
Ignora que asfixia a combustão das brasas.
Não foge do estendal que lhe humedece as casas.
E fina-se ao desprezo!
Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova.
Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente,
Oiço-a cantarolar uma canção plangente
Duma opereta nova!
Perfeitamente. Vou findar sem azedume.
Quem se depois, eu rico e noutros climas,
Conseguirei reler essas antigas rimas,
Impressas em volume?
Nas letras eu conheço um campo de manobras;
Emprega-se a réclame, a intriga, o anúncio, a blague,
E esta poesia pede um editor que pague
Todas as minhas obras ...
E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem seia?
Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. é feia ...
Que mundo! Coitadinha!
CESÁRIO VERDE
CONTRARIEDADES
Eu hoje estou cruel, frenético, exigente:
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível ! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.
Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, nos ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.
Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmôes doentes;
Sofre de falta de ar; morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.
Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortífica.
Lidando sempre! E deve a conta na botica!
Mal ganha para sopas ...
O obstáculo estimula, torna-nos perversos,
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias.
Po causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.
Que mau homor! Rasguei uma epopeia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais uma redacção das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.
A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papeis inéditos. A imprensa
Vale um desdém solene.
Com raras excepções, merece-me o epigrama.
Deu meia-noite; e em paz pela calçada abaixo,
Um sol-e-dó. Chovisca. O populacho
Diverte-se na lama.
Eu nunca dediquei poemas às fortunas,
Mas sim, por deferência, a amigos ou artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.
Receiam que o assinante ingénio os abandone,
Se forem publicar tais coisas, tais autores.
Independente! Só por isso os jornalistas
Deliram por Zaccone.
Um prosador qualquer desfruta fama honrosa.
Obtém dinheiro, arranja a sua coterie;
E a mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.
A adulação repugna aos sentimentos finos;
Eu raramente falo aos nossos literatos.
E apuro-me em lançar originais e exactos
Os meus alexandrinos ...
E a tísica? Fechada, e com o ferro aceso!
Ignora que asfixia a combustão das brasas.
Não foge do estendal que lhe humedece as casas.
E fina-se ao desprezo!
Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova.
Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente,
Oiço-a cantarolar uma canção plangente
Duma opereta nova!
Perfeitamente. Vou findar sem azedume.
Quem se depois, eu rico e noutros climas,
Conseguirei reler essas antigas rimas,
Impressas em volume?
Nas letras eu conheço um campo de manobras;
Emprega-se a réclame, a intriga, o anúncio, a blague,
E esta poesia pede um editor que pague
Todas as minhas obras ...
E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem seia?
Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. é feia ...
Que mundo! Coitadinha!
CESÁRIO VERDE
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