sexta-feira, 30 de maio de 2014

1391 - "MOSTRAI QUE MOSTRAIS" BERTOLT BRECHT

1391

MOSTRAI QUE MOSTRAIS

Mostrai que mostrais. Entre as diversas atitudes

Que mostrais ao mostrardes como os homens se comportam
Não deveis esquecer a atitude de mostrar,
Que cada atitude se  funde sobre a atitude de mostrar.
O exercício é o seguinte: antes de mostrardes
Como é que um homem trai, ou se torna ciumento.
Ou fecha o negócio, olhai para o espectador
Como se quiséseis dizer-lhe:
E agora atenção, este homem vai trair, e vai trair assim.
Depois de fechar o negócio. Deste modo,
A vossa demontração acompanhará a atitude de mostrar,
De proferir o que já está preparado, de finalizar a tarefa,
De continuar eternamente. E assim mostratrareis
Que todas as noites mostrais o que mostrais, que já o mostraste
                                                                                muitas vezes,
E a vossa representação terá qualquer coisa do trabalho do tecelão,
Qualquer coisa de artenasal. O que faz parte da demonstração.
A vossa aplicação constante para facilitar
A observação, para permitir o melhor entendimento
De cada acontecimento, tornai-o bem visível. E assim
Atraiçoar, fechar um negócio,
Ter ciúme, tudo isso passará a ser
Uma função quotodiana como qualquer uma destas: comer, dizer
                                                                            bom-dia ou
Trabalhar.(Porque vós trabalhais, não é verdade?) E por trás
Dos vossos personagens, vós permanecereis visíveis, como aqueles
Que vós apresentais.

BERTOLT BRECHT 


quinta-feira, 29 de maio de 2014

quarta-feira, 28 de maio de 2014

1389 - "ALGUMAS PERGUNTAS A UM HOMEM BOM" - BERTOLT BRECHT

1389

ALGUMAS PERGUNTAS A UM HOMEM BOM

Bom, mas para quê?
Sim, não és venal, mas o raio
Que sobre a casa cai também
Não e venal.
Nunca renegas o que disseste?
Mas que disseste?
És de boa fé, dás a tua opinião.
Que opinião?

Tens coragem.
Contra quém?
És cheio de sabedoria.
Para quem?
Não olhas aos teus interesses.
Aos de quem olhas?
És um bom amigo.
Sê-lo-ás do bom povo?

Escuta pois: nós sabenos
Que és nosso inimigo. Por isso vamos
Encostar-te ao paredão. Mas em consideração
Dos teus méritos  e das tuas boas qulidades
Escolhemos um bom paredão e vamos fisilar-te com
Boas balas atiradas por bons fuzis e enterrar-te com
Uma boa pá debaixo da terra boa.


BERTOLT BRECHT

1388 FOTOS WEB

1388
FOTOS WEB NORTE DE PORTUGAL

1387 -- "SUICIDAR-SE É COISA CORRIQUEIRA" - BERTOLT BRECHT

1387

Suicidar-se
É coisa corriqueira

Pode-se falar nisso à mulher a dias
Discutir com um amigo os prós e os contras.
Há que evitar um 
Certo pathos simpático.
Mas não é preciso fazer disto um dogma.
No entanto, parece-me preferivel 
O pequeno bluff do costume:
Estar farto de mudar de roupa, ou melhor:
A mulher pôr-los
(O que faz um certo efeito aos que se impressionam com essas                                                                                                     coisas
E não é demasiado bombástico)
De qualquer modo
Não se deve dar a impressão
De que se dava
Muita importância a si mesmo

BERTOLT BRECHT

terça-feira, 27 de maio de 2014

1386 - "LISTA DAS PREFERÊNCIAS DE ORGE" - BERTOLT BRECHT

1386

LISTA DAS PREFERÊNCIAS DE ORGE

Alegrias, as não medidas.

Peles, as não extorquidas

Histórias, as inintelegíveis.

Conselhos, os inexequíveis.

Solteiras, as jovens.

Casadas, as que enganam os homens.

Orgasmos, os não sincronos.

Ódios, os reciprocos.

Domicílios, os permanentes

Adeuses, os sub-ardentes.

Artes, as mais rendáveis.

Professores, os enterráveis.

Prazeres, os que exprimir se podem.

Fins, os de segunda ordem.

Inimigos, os sensíveis.

Amigos, os incorruptíveis.

Cores, o rubro.

Meses, Outubro.

Elementos, o fogo.

Deuses, o monstro.

Decadentes, os louvaminheiros.

Mensagens, os mensageiros.

Vidas, as lúcidas.

Mortes, as súbitas.

BERTOLT  BRECHT



segunda-feira, 26 de maio de 2014

1385 - MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS - "UMA CORDA, UMA GARGANTA"

1385

«UMA CORDA, UMA GARGANTA»

Uma corda. Uma garganta.

Duas dores. O Infinito
Um irmão que chora. Uma mãe que canta.
E uma noiva que diz ai que eu grito.

Um soluço uma noite uma aurora

uma mesa -- um suicida esquesito.
Um irmão que sai porta fora
Um menino que compra um apito.

Uma senhoria irritada

Dois odores a gato pingado.
Uma noiva inconformada, coitada.
Uma mala muito bem fechada.
Um quarto de novo alugado.

Uma mãe que sorri. Alguém que ama

um corpo quente que nem quê.
Uma rua cheia de lama.
Uma noiva que sabe porquê.

Mário Cesariny de Vasconcelos



quarta-feira, 21 de maio de 2014

1383 - "RETRATO" - LUÍS AMARO

1383

RETRATO

Um silêncio, um olhar, uma palavra:
Nasceste assim na minha vida,
Inesperada flor de aroma denso,
Tão casual e breve...

Já visionara no meu sonho,
Imagem de segredo, esparsa ao vento
Da noite rubra, delicada, intacta.
E pressentida teu hálito na sombra
Que minhas mãos desenham, inquietas.

Existias em mim...  O teu olhar
Onde cintila, pura, a madrugada,
Guardara-o no meu peito, ó invisível,
Flutuante apelo das raízes
Que teimam em prender-te, minha vida!

                                     (In Árvore, nº. 1)

Luís Amaro

segunda-feira, 19 de maio de 2014

1382 - "ELEGIA" - ANTÓNIO MANUEL COUTO VIANA

1382

ELEGIA

Foi em Setembro, em pleno odor do mosto:

Trouxeram a toalha d´alvo linho
Que lhe enxugou e desenhou o rosto,
Não em sangue, mas em vinho.

 Deu-lhe o lagar o derradeiro leito
(Perto, calou-se a voz duma guitarra!)
E vieran lançar, sobre o seu roxo peito,
Quatro folhas de parra.

Ébria, a terra enlaçou seu corpo moço e frio
(Tombabam bagos d´uva sobre a cova!).
Mais tarde, maternal (vinha a chegar o Estio),
O devolveu ao sol, numa videira nova.

António Manuel Couto Viana

sexta-feira, 16 de maio de 2014

1380 - SABEDORIA - JOÃO MAIA

1380

     SABEDORIA

Aprende a estar só, e a dizer

Adeus às coisas que se afastam.
Deixa-as ir, supérfluas... Recolhe-te
À pobreza das coisas que te bastam.

Não te apegues à névoa dispensável

Nem ao cómodo torpor do que te é dado.
Mas canta, como um rio que não sabe
Se canta para si ou é escutado...

Estende à beira-nada o teu poema,

Vai cantando sòzinho o que é verdade,
E deixa-te invadir pela bondade
-- A sabedoria íntima e suprema.

João Maia

terça-feira, 13 de maio de 2014

1379 -- RETRATO - Eugénio de Andrade

1379

                                      RETRATO

No teu rosto começa a madrugada.
Luz abrindo,
de rosa em rosa,
transparente e molhada.

Melodia
distante mas segura;
irrompendo da terra
cálida, madura.

Mar imenso,
praia deserta, horizontal e calma.
Sabor agreste.

Rosto da minha alma!

                                    (Os Amores sem Dinheiro, in Poemas, 3ª.ed.)

Eugénio  de Andrade

domingo, 11 de maio de 2014

1377 - »QUANDO CHEGOU O TEMPO...» -- PEDRO DA SILVEIRA

1377

«QUANDO CHEGOU O TEMPO...»

Quando chegou o tempo de meu tio António tomar o

                                            [caminho da América
meu avô levou-o a bordo da barca Kennard:
ele tinha quinze anos, era o mais moço
dos qutro filhos de meu avô.
A mãe botara-lhe amor mais que a nenhum
e o pai, de estimação, dera-lhe o nome
do bisavô lendário dele.
o que tornou às Flores em secreto das justiças d´El-Rei,
frustrado matador, por se justar,
e construtor ali de igrejas
para vencer no céu os seus pecados.
-- Mas deixemos para outra vez a história do meu tetravô,
esse que os linhasgistas insulanos dão
por falecido em data incerta, em partealifórnia
desconhecida...
Esta, a história do embarque de meu tio António para
                                                              [a América,
começa em Santa Cruz das Flores
 meu avô no abrir de Junho de 1884.
Meu avô na d
espedida abraçou-o e as lágrimas
como chuva escorreram  pelas suas barbas cor de mel.
Ficava só, isto é, sem outro
filho macho à sua beira. E então
 volveu os olhos para os montes e as casas da vila,
ao depois  fitou o mar, a barca toda.
E disse: «Pequeno,
quanto dinheiro troiveste de casa?»
Tirante a passagem, meu tio respondeu ainda tinha
   [quarenta e sete pesos amaricanos parta o carro-de
                     [-fogo mais o bordo do hotel.
«Escuta pequeno: esse restante chega para ambos os dois
      [até passante do porto de Bastão; e lá, por terras
                                          [dentro Deus ajuda.»
Vinte e dois dias vencidos, em Boston, Mass, era domingo,
                                                    [ouviram missa
À tarde beberam como piedosos irlandeses em dia santo
                        [de São Patrício o que deu cabo das cobras,
e sendo noite meu avô levou o moço
a uma casa que tinha uma luz vermelha à porta.
De manhã abalaram, e foi
como se nada daquilo acontecera.
Até à Califórnia trabalharam nos farmes e onde adregava.
Às vezes viajaram escondidos 
nos carros-de-fogo que metiam medo a meu tio António.

Pedro da Silveira

sexta-feira, 9 de maio de 2014

1376 - OS DOIS POEMAS DA DA MINHA VIDA - VASCO MIRANDA

1376

OS DOIS POEMAS DA MINHA VIDA

O meu canto é de esperança,

É de espereança sem fim...
O  meu canto é de esperança
Que existe dentro e fora de mim.

Não vim a este mundo para viver só.

(O silêncio na minha boca, ainda quando o foi, foi um
                                                 [grito que me mordeu.)
Eu vivo a dor de todos os metem dó,
Luto por tudo o que caíu na hora em que nasaceu.
Eu amo a tudo e a todos.
Por mim e por eles,
Por todos e por nenhum.
Eu amo a vida que nos abraça e funde
Naquele que é  fonte donde ela saíu.
E eu amo assim...
Em graça e em sorrisos,
Na carne e no sangue...
Por mim e por eles:
-- Por todos!...
Naquele que é em nós, naquele nós somos

Porque a tragédia é esta;

-- O soluço que vai da raiz que morreu
À Primavera que canta no rebentar dos pomos.

Vasco Miranda

quinta-feira, 8 de maio de 2014

1375 - REINALDO FERREIRA - A FERNANDO PESSOA (ELE MESMO)

1375

A FERNANDO PESSOA (ELE MESMO)

Cada verso é uma esfinge ter falado.
Mas quanto mais explícito ela o diz,
Mais tudo permanece inexplicado
É menos se apreende o que ele quis.

Erra um sussuro, tão estéreo e alado
Que nem mesmo silêncio o contradiz.
E o ouví-lo, ou ávido ou irado
Na busca  dum segredo sem raiz,

É como se em pensar -- um descampado --
Passasse fugitiva e intensamente
O tempo todo inteiro projectado

È a sombra ali marcasse, na corrente
Do nada para o nada, inda passado
E já é futuro, a ficção do presente.

Reinaldo Ferreira


quarta-feira, 7 de maio de 2014

1374 - «AQUI ME ENCONTRARÁS...» SALETE TAVARES

1374

«AQUI ME ENCONTRARÁS...»

Aqui me encontrará

                dormindo-me silêncio
no fumo que os telhados
                perfumam de pinheiro,
aqui me encontrarás
                e a lua no meu ombro
vermelha de ardor
                meu sangue companheiro,
Eco que eu sou
                na morte de uma era
aninham os meus braços
               outonos de fulgor
e os pássaros da noite
               em seus olhos de espera
escutam o arfar
               do perfume das cores.
Aqui me encontrarás
              quente fornalha de espelho
brasa amarela de vida
              sol da cor com que me enfeito.
Minha forma uma montanha
              de seios que a lua aquece
meus braços caminhos de água
               por toda a serra descer
recorta-me a tarde morta
             perfil que o céu enlouquece
rumor remanso de frágua
            brilho lunar a correr.
Pata de frio entornada,
            carreiro meu sangue d`álbas
esplendor de muro húmido
            em leques de fetos verdes
langores de musgo veludo
            em sombra de plantas malvas
em ti me sei  e me escuto,
            em ti me escorro e me bebo.
Aqui me encontrarás
            tão de longe navegada
afago de ares anjos
           no oceano de uma asa
nesta terra em que me mostro
          aqui  de além coroada 
sou água que a chuva traz
          à sua primeira casa.

Salete Tavares


segunda-feira, 5 de maio de 2014

1373 - PERGUNTAS DE UM OPERÁRIO LETRADO - BERTOLT BRECHT

1373

PERGUNTAS DE UM OPERÁRIO LETRADO

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis.
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruida,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergeu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes? Até e legendária Atlântida
Na nioite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Índias.
Sòzinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a Guerra dos Sete Anos.
Quen mais a ganhou?

Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas.

Bertolt Brecht

sexta-feira, 2 de maio de 2014

1372 - SONETO DA CHUVA - CARLOS DE OLIVEIRA

1372

SONETO DA CHUVA

Quantas vezes chorou no teu regaço
a minha infância, terra que eu pisei:
aqueles versos de água onde os direi,
cansado como vou do teu cansaço?
Virá abril de novo, até a tua
memória se fartar das mesmas flores
numa última órbita em que fores
carregada de cinsa como a lua.
Se a terra bebe as dores que me são dadas,
desfeito é já no vosso próprio frio
meu coração, visões abandonadas.
Deixem chover as lágrimas que eu crio:
menos que chuva e lama nas estradas
és tu, poesia, meu amargo rio.

           (Terra de Harmonia, in Poesias, 2ª.ed. revista)

Carlos de Oliveira

1371 VELHA GOA - AMÂNDIO CÉSAR

1371

VELHA GOA

Da grandeza passada,
Ida,
Sepultada,
Ficaram, desafiando o tempo,
Estas quatro catedrais.
Dos palácios restaram as ruinas
Daquela
Que foi a maior entre as demais!
Tudo morreu abafado
Pela força tentacular da erva ruim:
Ficaram os palmares,
Só ficaram as palmeiras,
Baloiçando as palmas.
Num adeus que não tem fim.

               (Não posso dizer Adeus às Armas)

Amândio César

quinta-feira, 1 de maio de 2014

1370 - EFEMÉRIDES


1370


EFEMÉRIDES

Bernardino Machado
A 1 de Maio de 1872, nasce, em Caminha, Sidónio Bernardino Cardoso da Silva Pais, quarto presidente da 1ª República Portugu