sexta-feira, 15 de agosto de 2014

1459 - CONTINUAÇÃO DO BLOG ANTERIOR

1459

O casamento entre o céu e o inferno, é também a fusão
íntima, irreversível, entre a verdade e a beleza. Os poemas
políticos de Paul Éluard são esse casamento, e que o diga
aqui, finalmente, o primeiro  poeta a não se distinguir dos
homens: sei agora saudar a verdade...
      Ponham isto em cena, se o conseguirem. E também
a crença na felicidade que, em verso como em prosa, se
chama esperança. Sentimento que só pertence àqueles para
quem não existe outra religião que não seja a infinita possi-
bilidade de aperfeiçoamento do homem, outra filosofia que
não seja a que funda a possibilidade de transformar o mundo,
outro horizonte, mesmo no mais profundo do inferno, que
não seja o céu público, a felicidade humana.
     Os poemas políticos de Paul Éluard têm como fim  a
verdade prática. Aparecem em França, em 1948, cerca de
cem anos depois de Charles Baudelaire ter escrito: Desa-
parecei, pois, sombras  falaciosas de René, de Obermann
e de Werther; afundai-vos  nas névoas do vazio; criações
monstruosas da preguiça e da solidão; como os porcos no
lago de Genesaré, ide mergulhar nas florestas encantadas
de onde as fadas inimigas  vos tiraram, carneiros atacados
pela vertigem romântica. O génio da acção privou-vos do
lugar entre nós... O destino da poesia é grande! Feliz ou
lamentável, traz sempre consigo o carácter divino do
utópico. Contradiz sem cessar os factos, sob pena de
deixar de existir. Na prisão, faz-se revolta; à janela do
hospital, ela é a esperança ardente na cura; na mansarda
arruinada e suja, enfeita-se como uma fada com a ele-
gância e o luxo; não se limita a contactar, conserta. Por
toda a parte ela se faz negação da iniquidade. Caminha
pois para o futuro cantando, poeta provincial , pois o
teu canto é o decalque luminoso das esperanças e convic-
ções do povo!
       Trata-se nessa altura de Pierre Dupont (1). Trata-se
hoje de Paul Éluard, e o mundo mudou de tal modo em cem
anos, que a poesia se não limita já negar os factos, antes
os secunda. Pois passámos do tempo da divina utopia, ao
da eficiência humana. 
                          
                                            Aragon  

(1) N.do T. --Poeta françês, publicou, em 1851, um livro de
poemas chamado Chants e Chansons, de cuja introdução fazem parte as palavras de Baudelaire, anteriormente citadas.

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