quarta-feira, 26 de março de 2014
quarta-feira, 19 de março de 2014
1349 - LIÇÃO SOBRE A ÁGUA - POEMA DO FECHO ÉCLAIR - ANTÓNIO GEDEÃO
1349
LIÇÃO SOBRE A ÁGUA
Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
sew denomiram máquinas de vapor.
É um bom dissolvente.
Embora com excepções mas um modo geral,
dissolve tudo bem, ácidos, bases e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressâo normal.
Foi neste líquido que numa cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.
(Linhas de força)
POEMA DO FECHO ÉCLAIR
Filipe II tinha um colar de oiro,
tinha um colar de oiro com pedras rubis.
Cingia a cintura com cinto de coiro,
com fivela de oiro,
olho de perdiz.
Comia num prato
de prata lavrada
girafa trufada,
rissóis de serpente.
O copo era um gomo
que em flor desabrocha,
de cristal de rocha
do mais transparente.
Andava nas salas
forradas de Arrás
com panos por cima,
pela frente e por trás.
Tapetes flamengos,
combates de galos,
alões e podengos,
falcões e cavalos
Dormia na cama
de prata maciça
com docel de lhama
de franja roliça.
Na mesa do canto
vermelho damasco,
e a tíbia de um santo
guardada num frasco.
Foi dono da Terra,
foi senhor do Mundo,
nada lhe faltava,
Filipe Segundo.
Tinha oiro e prata,
pedras nunca vistas,
safiras, topázios,
rubis, ametistas.
Tinha tudo, tudo,
sem peso nem conta,
bragas de veludo,
peliças de lontra.
Um homem tão grande
tem tudo o que quer.
O que ele não tinha
era um fecho éclair.
António Gedeão
LIÇÃO SOBRE A ÁGUA
Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
sew denomiram máquinas de vapor.
É um bom dissolvente.
Embora com excepções mas um modo geral,
dissolve tudo bem, ácidos, bases e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressâo normal.
Foi neste líquido que numa cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.
(Linhas de força)
POEMA DO FECHO ÉCLAIR
Filipe II tinha um colar de oiro,
tinha um colar de oiro com pedras rubis.
Cingia a cintura com cinto de coiro,
com fivela de oiro,
olho de perdiz.
Comia num prato
de prata lavrada
girafa trufada,
rissóis de serpente.
O copo era um gomo
que em flor desabrocha,
de cristal de rocha
do mais transparente.
Andava nas salas
forradas de Arrás
com panos por cima,
pela frente e por trás.
Tapetes flamengos,
combates de galos,
alões e podengos,
falcões e cavalos
Dormia na cama
de prata maciça
com docel de lhama
de franja roliça.
Na mesa do canto
vermelho damasco,
e a tíbia de um santo
guardada num frasco.
Foi dono da Terra,
foi senhor do Mundo,
nada lhe faltava,
Filipe Segundo.
Tinha oiro e prata,
pedras nunca vistas,
safiras, topázios,
rubis, ametistas.
Tinha tudo, tudo,
sem peso nem conta,
bragas de veludo,
peliças de lontra.
Um homem tão grande
tem tudo o que quer.
O que ele não tinha
era um fecho éclair.
António Gedeão
terça-feira, 18 de março de 2014
1348 FORMA DE INOCÊNCIA - ANTÓNIO GEDEÃO
1348
FORMA DE INOCÊNCIA
Hei-de morrer inocente
exactamente
como nasci.
Sem nunca ter descoberto
o que há de falso ou de certo
no que vi.
Entre mim e a evidência
paira uma névoa cinzenta.
uma forma de inocência,
que apoquenta.
Mais que apoquenta:
enregela
como um gume
vertical.
É uma espécie de ciúme
de não poder igual
António Gedeão
FORMA DE INOCÊNCIA
Hei-de morrer inocente
exactamente
como nasci.
Sem nunca ter descoberto
o que há de falso ou de certo
no que vi.
Entre mim e a evidência
paira uma névoa cinzenta.
uma forma de inocência,
que apoquenta.
Mais que apoquenta:
enregela
como um gume
vertical.
É uma espécie de ciúme
de não poder igual
António Gedeão
1347 - JOREGE BARBOSA - SECA
1347
SECA
Dois anos de seca
vividos
como
só Deus sabe!
Vagueiam pela cidade
esqueléticas crianças
chegaram de fora
dos campos onde outrora
havia
a harmonia
de plantas exuberantes,
a promessa de fartura!
Pedem tostões pelas ruas
as suas
frágeis vòzinhas
musicais.
seus olhos tristes
cobertos
dess
a expressão precoce de renúncia
namoram sacos abertos
do pirão tentador
que há nas lojas à venda...
As mulheres e os homens
também têm
a mesma tristeza infantil
no olhar pasmado...
Parecem bonecos macabros
e causam dó
os petizes de meses
com vida só
nos lábios infatigáveis
que chupam vazias tetas maternais,
cada vez mais
com mais sofreguidão...
Os seios secos das mães
amamentam ainda!
Jorge Barbosa
SECA
Dois anos de seca
vividos
como
só Deus sabe!
Vagueiam pela cidade
esqueléticas crianças
chegaram de fora
dos campos onde outrora
havia
a harmonia
de plantas exuberantes,
a promessa de fartura!
Pedem tostões pelas ruas
as suas
frágeis vòzinhas
musicais.
seus olhos tristes
cobertos
dess
a expressão precoce de renúncia
namoram sacos abertos
do pirão tentador
que há nas lojas à venda...
As mulheres e os homens
também têm
a mesma tristeza infantil
no olhar pasmado...
Parecem bonecos macabros
e causam dó
os petizes de meses
com vida só
nos lábios infatigáveis
que chupam vazias tetas maternais,
cada vez mais
com mais sofreguidão...
Os seios secos das mães
amamentam ainda!
Jorge Barbosa
segunda-feira, 17 de março de 2014
1346 - JEITO DE ESCREVER - IRENE LISBOA
1346
JEITO DE ESCREVER
Não sei que diga.
E a quem o dizer?
Não sei que pense.
Nada jamais soube.
Nem de mim, nem dos outros.
Nem do tempo, do céu e da terra, das coisas...
Seja do que for ou do que fosse.
Não sei que diga, não sei que pense.
Oiço os ralos queixosos, arrastados.
Ralos serão?
Horas da noite.
Noite começada ou adiantada, noite.
Como é bonito escrever!
Com este longo aparo, bonitas as letras e o gesto -- [o jeito
Ao acaso, sem âncora, vago no tempo.
No tempo vago...
Ele vago e eu sem amparo.
Piam pássaros, trespassam o luto do espaço, este [sereno luto das horas.
Mortas!
E por mais não sei ter que relatar me cerro.
Expressão antiga, epistolar: me cerro.
Tão grato é o velho, inopinado e novo.
Me cerro!
Assim:
uma das mãos no papel, dedos fincados, solta a
[outra, de pena expectante.
Uma que agarra, a outra que espera...
Ó ilusão
Me cerro.
E tudo acabou, acaba.
Para que a busca das coisas novas, à toa e há roda?
Silêncio.
Nem pássaros já, noite morta.
Me cerro
Ó minha derradeira composição! do não, do nem,
[do nada da ausência e solidão.
Da indiferença.
Quero eu que o seja! da indifereça ilimitada.
Noite vasta e continua, caminha, caminha.
Alonga-te.
A ribeira acordou.
Irene Lisboa
JEITO DE ESCREVER
Não sei que diga.
E a quem o dizer?
Não sei que pense.
Nada jamais soube.
Nem de mim, nem dos outros.
Nem do tempo, do céu e da terra, das coisas...
Seja do que for ou do que fosse.
Não sei que diga, não sei que pense.
Oiço os ralos queixosos, arrastados.
Ralos serão?
Horas da noite.
Noite começada ou adiantada, noite.
Como é bonito escrever!
Com este longo aparo, bonitas as letras e o gesto -- [o jeito
Ao acaso, sem âncora, vago no tempo.
No tempo vago...
Ele vago e eu sem amparo.
Piam pássaros, trespassam o luto do espaço, este [sereno luto das horas.
Mortas!
E por mais não sei ter que relatar me cerro.
Expressão antiga, epistolar: me cerro.
Tão grato é o velho, inopinado e novo.
Me cerro!
Assim:
uma das mãos no papel, dedos fincados, solta a
[outra, de pena expectante.
Uma que agarra, a outra que espera...
Ó ilusão
Me cerro.
E tudo acabou, acaba.
Para que a busca das coisas novas, à toa e há roda?
Silêncio.
Nem pássaros já, noite morta.
Me cerro
Ó minha derradeira composição! do não, do nem,
[do nada da ausência e solidão.
Da indiferença.
Quero eu que o seja! da indifereça ilimitada.
Noite vasta e continua, caminha, caminha.
Alonga-te.
A ribeira acordou.
Irene Lisboa
1345 - JETHESENANI - ROBERTO DE MESQUITA
1345
JETHESENANI
Por esta noite de céu baço e sem luar
a alma das coisas é viuva e taciturna.
Nada na opressiva estagnação nocturna
um sofrimento esparso, um avulso pesar...
Que profunfa tristeza o Imóvel acontece
sob este céu de chumbo! Eu sinto suspirar
e julgo houvir-lhe a voz dorida murmurar;
«Minh`alma está desamparada no Olivete!»
Deserto todo o burgo. Eu divago através
de quelhas negras, duma tétrida mudez
sob o agoiro dos céus cinzentos e pesados,
a alma afogada da maré da desesp´rança
anónima, que inunda a noite bruna e mansa
e me oprime como os sinos a finados...
(...almas cativas)
Roberto de Mesquita
JETHESENANI
Por esta noite de céu baço e sem luar
a alma das coisas é viuva e taciturna.
Nada na opressiva estagnação nocturna
um sofrimento esparso, um avulso pesar...
Que profunfa tristeza o Imóvel acontece
sob este céu de chumbo! Eu sinto suspirar
e julgo houvir-lhe a voz dorida murmurar;
«Minh`alma está desamparada no Olivete!»
Deserto todo o burgo. Eu divago através
de quelhas negras, duma tétrida mudez
sob o agoiro dos céus cinzentos e pesados,
a alma afogada da maré da desesp´rança
anónima, que inunda a noite bruna e mansa
e me oprime como os sinos a finados...
(...almas cativas)
Roberto de Mesquita
domingo, 16 de março de 2014
1344 - PAX LUSITANICA - RUY CINATTI
1344
PAX LUSITANICA
Ora se bem me lembro bem bastava
ter que me dar a gregos e troianos.
Mas dar-me a americanos, russos
e chineses, arre ! isso não, que bem me bastam
os portugueses ! Esses
facínora de pé na mão, esses
minhocas endomingados na semana
e tesos ao domingo.
Gregos de Ulisses, vale, é uma chama
acesa no altar da pátria.
Troianos ... há Eneias, piedoso,
acartando nas costas o seu povo.
De Portugal, não se fala, nem do Gama.
Mas dar-me a americanos, russos
e chineses, arre ! isso não, que bem me bastam
os portugueses!
Quero ver-me é entre tahitianas,
Titiro manhoso, vendedor de flautas
e com elas convívio amenizado.
Quero é dar-me a Circe, enfeitiçar-me
em cavernas simbólicas
onde não faltem os sobresselentes,
o simulacro, o ver de cão travado
pelo cheiro a carne quente.
Penélope esperou-me tanto tempo
que pode espera mais, como Lisboa.,
Mas dar-me a americanos, russos
e chineses, arre! isso não, que bem me bastam
os portugueses!
Acertadas as contas, quero ver
se não me engano.
Contra Ulisses, eu quero ser troiano.
Quero ter
viagem paga, um fim que dignifique,
uma toga, um palácio ... tudo o que
justifique
minha precária existência
marcada pela traição, pelo incêndio, pela lágrima
de aligator...
Verdade, que há um cheiro a lusitano ...
Sou romano.
Aquilo que prometo nunca faço.
Mas dar-me a americanos, russos
e chineses, arre! isso não, que bem bastam
os portugueses!
(Memória Descritiva)
Ruy Cinatti
PAX LUSITANICA
Ora se bem me lembro bem bastava
ter que me dar a gregos e troianos.
Mas dar-me a americanos, russos
e chineses, arre ! isso não, que bem me bastam
os portugueses ! Esses
facínora de pé na mão, esses
minhocas endomingados na semana
e tesos ao domingo.
Gregos de Ulisses, vale, é uma chama
acesa no altar da pátria.
Troianos ... há Eneias, piedoso,
acartando nas costas o seu povo.
De Portugal, não se fala, nem do Gama.
Mas dar-me a americanos, russos
e chineses, arre ! isso não, que bem me bastam
os portugueses!
Quero ver-me é entre tahitianas,
Titiro manhoso, vendedor de flautas
e com elas convívio amenizado.
Quero é dar-me a Circe, enfeitiçar-me
em cavernas simbólicas
onde não faltem os sobresselentes,
o simulacro, o ver de cão travado
pelo cheiro a carne quente.
Penélope esperou-me tanto tempo
que pode espera mais, como Lisboa.,
Mas dar-me a americanos, russos
e chineses, arre! isso não, que bem me bastam
os portugueses!
Acertadas as contas, quero ver
se não me engano.
Contra Ulisses, eu quero ser troiano.
Quero ter
viagem paga, um fim que dignifique,
uma toga, um palácio ... tudo o que
justifique
minha precária existência
marcada pela traição, pelo incêndio, pela lágrima
de aligator...
Verdade, que há um cheiro a lusitano ...
Sou romano.
Aquilo que prometo nunca faço.
Mas dar-me a americanos, russos
e chineses, arre! isso não, que bem bastam
os portugueses!
(Memória Descritiva)
Ruy Cinatti
1343 - ANTÓNIO RAMOS ROSA - ESTOU VIVO E ESCREVO SOL
1343
ESTOU VIVO E ESCREVO SOL
Eu escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeceira
que passa em fios frescos sobre a minha carade vivo
estou vivo e escrevo sol
Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no acto de escrever e sol
A vertingem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida
Melhor que vever vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maravilha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toada do silêncio verde
António Ramos Rosa
ESTOU VIVO E ESCREVO SOL
Eu escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeceira
que passa em fios frescos sobre a minha carade vivo
estou vivo e escrevo sol
Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no acto de escrever e sol
A vertingem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida
Melhor que vever vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maravilha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toada do silêncio verde
António Ramos Rosa
sábado, 15 de março de 2014
1342 - FALA DO HOMEM NASCIDO - ANTÓNIO GEDEÃO
1342
FALA DO HOMEM NASCIDO
( Chega à boca de cena e diz:)
Venho da terra assombrada,
do ventre de minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.
Só quero o que me devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.
Trago boca para comer
e olhos para desejar,
Com licença, quero passar,
Tenho pressa de viver.
Com licença ! Com licença !
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
não tenho tempo a perder.
Minha barca aparelhada
solta o pano rumo ao norte;
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada.
Não há ventos que prestem
nem marés que não convenham,
nem forças que me molestem,
correntes que me detenham.
Quero eu e a Natureza,
que a Natureza sou eu,
e as forças da Natureza
nunca ninguém as venceu.
Com licença ! Com licença !
Que a barca se faz ao mar.
Não há poder que me vença.
Mesmo morto hei-de passar.
Com licença ! Com licença !
Com rumo á estrela polar.
(Teatro do Mundo)
António Gedeão
FALA DO HOMEM NASCIDO
( Chega à boca de cena e diz:)
Venho da terra assombrada,
do ventre de minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.
Só quero o que me devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.
Trago boca para comer
e olhos para desejar,
Com licença, quero passar,
Tenho pressa de viver.
Com licença ! Com licença !
Que a vida é água a correr.
não tenho tempo a perder.
Minha barca aparelhada
solta o pano rumo ao norte;
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada.
Não há ventos que prestem
nem marés que não convenham,
nem forças que me molestem,
correntes que me detenham.
Quero eu e a Natureza,
que a Natureza sou eu,
e as forças da Natureza
nunca ninguém as venceu.
Com licença ! Com licença !
Que a barca se faz ao mar.
Não há poder que me vença.
Mesmo morto hei-de passar.
Com licença ! Com licença !
Com rumo á estrela polar.
(Teatro do Mundo)
António Gedeão
sexta-feira, 14 de março de 2014
1341 - RONDEL DO ALENTEJO - JOSÉ DE ALMADA NEGREIROS
1341
RONDEL DO ALENTEJO
Em minarete
mate
bate
leve
verde neve
minuete
de luar.
Meia-noite
do segredo
no penedo
duma noite
de luar.
Olhos caros
de Morgada
enfeitada
com preparos
de luar.
Rompem fogo
pandeiretas
morenitas,
bailam tetas
e bonitas,
bailam chitas
e jaquetas,
são as fitas
desafogo
de luar.
Voa o xaile
andorinha
pelo baile
e a vida
doentinha
e a ermida
ao luar.
Laçarote
escarlate
de cocote
alegria
de Maria
la-ri-rate
em folia
de luar.
Giram pés
giram passos
girassóis
e os bonés.
e os braços
destes dois
giram laços
ao luar.
O colete
desta virgem
endoidece
como o S
do foguete
em vertigem
de luar.
Em minarete
mate
bate
leve
verde neve
minuete
de luar.
José de Almada Negreiros
1913 (In Contemporânea, nº.2 1922)
RONDEL DO ALENTEJO
Em minarete
mate
bate
leve
verde neve
minuete
de luar.
Meia-noite
do segredo
no penedo
duma noite
de luar.
Olhos caros
de Morgada
enfeitada
com preparos
de luar.
Rompem fogo
pandeiretas
morenitas,
bailam tetas
e bonitas,
bailam chitas
e jaquetas,
são as fitas
desafogo
de luar.
Voa o xaile
andorinha
pelo baile
e a vida
doentinha
e a ermida
ao luar.
Laçarote
escarlate
de cocote
alegria
de Maria
la-ri-rate
em folia
de luar.
Giram pés
giram passos
girassóis
e os bonés.
e os braços
destes dois
giram laços
ao luar.
O colete
desta virgem
endoidece
como o S
do foguete
em vertigem
de luar.
Em minarete
mate
bate
leve
verde neve
minuete
de luar.
José de Almada Negreiros
1913 (In Contemporânea, nº.2 1922)
1340 - BERTOLT BRECHT
1340
(Nº. 10 dos
POEMAS RELACIONADOS COM O
«MANUAL PARA HABITANTES DE CIDADES»)
Sente-se.
Está sentado ?
Encoste-se tranquilamente na cadeira.
Deve sentir-se bem instalado e descontraido.
Pode fumar.
É importante que me escute com muita atenção.
Ouve-me bem ?
Tenho algo a dizer-lhe que vai interessá-lo.
Você é um idiota.
Está realmente a escutar-me ?
Não há pois dúvida alguma de que me houve
com clareza edistinção ?
Então
Repito: você é um idiota.
Um idiota.
I como Isabel, D como Dinis, outro I como Irene,
O como Orlando, T como Teodoro, A como Ana.
Idiota.
Por favor não me interrompa.
Não deve interromper-me.
Você é um idiota.
Não diga nada. Não venha com evasivas.
Você é um idiota.
Ponto final.
Aliás não sou o único a dize-lo.
A senhora sua mãe já o diz há muito tempo.
Você é um idiota.
Pergunte pois aos seus parentes
Se você não é um I.
E no entanto não é desinteressante para você
saber o que é
E no entanto é uma desvantagem para você não saber o que toda a gente sabe.
Ah sim, acha você que tem exactamente as
mesmas ideias do seu parceiro.
Mas também ele é um idiota.
Faça favor, não se condole a dizer
Que há outros I.
Você é um I.
De resto isso não é grave.
É a assim que você poderá chegar aos 80 anos.
Em matéria de negócios é mesmo uma vantagem.
E então na política !
Não há dinheiro que o pague.
Na qualidade de I você não precisa de se
preocupar com mais nada.
E você é I.
(formidável, não acha ?)
Você ainda não está ao corrente ?
Quem há-de então dizer-lho ?
O própio Brecht acha que você é um I.
Por favor, Brecht, você que é um perito
na matéria, dê a sua opinião.
Este homem é um I.
Nada mais
Não basta tocar o disco uma só vez.
BERTOLT BRECHT
(Nº. 10 dos
POEMAS RELACIONADOS COM O
«MANUAL PARA HABITANTES DE CIDADES»)
Sente-se.
Está sentado ?
Encoste-se tranquilamente na cadeira.
Deve sentir-se bem instalado e descontraido.
Pode fumar.
É importante que me escute com muita atenção.
Ouve-me bem ?
Tenho algo a dizer-lhe que vai interessá-lo.
Você é um idiota.
Está realmente a escutar-me ?
Não há pois dúvida alguma de que me houve
com clareza edistinção ?
Então
Repito: você é um idiota.
Um idiota.
I como Isabel, D como Dinis, outro I como Irene,
O como Orlando, T como Teodoro, A como Ana.
Idiota.
Por favor não me interrompa.
Não deve interromper-me.
Você é um idiota.
Não diga nada. Não venha com evasivas.
Você é um idiota.
Ponto final.
Aliás não sou o único a dize-lo.
A senhora sua mãe já o diz há muito tempo.
Você é um idiota.
Pergunte pois aos seus parentes
Se você não é um I.
E no entanto não é desinteressante para você
saber o que é
E no entanto é uma desvantagem para você não saber o que toda a gente sabe.
Ah sim, acha você que tem exactamente as
mesmas ideias do seu parceiro.
Mas também ele é um idiota.
Faça favor, não se condole a dizer
Que há outros I.
Você é um I.
De resto isso não é grave.
É a assim que você poderá chegar aos 80 anos.
Em matéria de negócios é mesmo uma vantagem.
E então na política !
Não há dinheiro que o pague.
Na qualidade de I você não precisa de se
preocupar com mais nada.
E você é I.
(formidável, não acha ?)
Você ainda não está ao corrente ?
Quem há-de então dizer-lho ?
O própio Brecht acha que você é um I.
Por favor, Brecht, você que é um perito
na matéria, dê a sua opinião.
Este homem é um I.
Nada mais
Não basta tocar o disco uma só vez.
BERTOLT BRECHT
1339 - DAS CIDADES - BERTOLT BRECHT
1339
DAS CIDADES
Por debaixo esgotos sobre o solo
Nada e por cima o fumo
Ali vivemos nós sem gozo nem consolo.
Depressa passámos nelas. E, devagar, também
elas seguem o nosso rumo.
DAS CIDADES
Por debaixo esgotos sobre o solo
Nada e por cima o fumo
Ali vivemos nós sem gozo nem consolo.
Depressa passámos nelas. E, devagar, também
elas seguem o nosso rumo.
1338 - LISTA DAS PREFERÊNCIAS DE ORGE - Bertolt Brecht
1338
LISTA DAS PREFERÊNCIAS DE ORGE
Alegrias, as não medidas.
Peles, as não estorquidas.
Histórias, as não ininteligíveis
Solteiras, as jovens
Casadas, as que não enganam os homens
Orgasmos, os não sincronos
Ódios, os recíprocos.
Domicílios, os permanentes.
Adeuses, os sub-srdentes.
Artes, as não rendáveis.
Professores, os enterráveis.
Prazeres, os que exprimir se podem.
Fins, os de degunda ordem.
Inimigos, os sensíveis.
Amigos, os incorruptíveis.
Cores, o rubro.
Mese, Outubro.
Elementos, o fogo.
Deuses, o monstro.
Decadentes, os louvaminheiros..
Mensagens, os mensageiros.
Vidas, as lúcidas.
Mortes, as súbitas
Bertolt Brecht
LISTA DAS PREFERÊNCIAS DE ORGE
Alegrias, as não medidas.
Peles, as não estorquidas.
Histórias, as não ininteligíveis
Solteiras, as jovens
Casadas, as que não enganam os homens
Orgasmos, os não sincronos
Ódios, os recíprocos.
Domicílios, os permanentes.
Adeuses, os sub-srdentes.
Artes, as não rendáveis.
Professores, os enterráveis.
Prazeres, os que exprimir se podem.
Fins, os de degunda ordem.
Inimigos, os sensíveis.
Amigos, os incorruptíveis.
Cores, o rubro.
Mese, Outubro.
Elementos, o fogo.
Deuses, o monstro.
Decadentes, os louvaminheiros..
Mensagens, os mensageiros.
Vidas, as lúcidas.
Mortes, as súbitas
Bertolt Brecht
quinta-feira, 13 de março de 2014
1337 - RUY CINATTI
1337
À MEMÓREIA DE ANTÓNIO NOBRE
E DE CESÁRIO VERDE
Eu comi uma inglesa.
Foi em Sintra. Era feriado.
Com esparregado e essa tinta
mint-sauce. Em português,
molho de ortelã-pimenta com vinagre. Uma beleza !
Alguma batata frita.
Mas eu quis fetos arbórios,
musgo das fontes, avenca
e pétulas de camélia,
branca-rósea,
para enfeitar a travessa
e trincar, de quando em quando,das orelhas da inglesa,
dizendo: «O tempo está tão
lindo, Daisy ?»
«I like Shelley» -- dizia ela,
cheirando o colégio d´Oxford.
«Swift Summer into the Autumn flowed ..
tem tradição. Vem de Chaucer»
«Eu também gosto -- eu disse,
paraninfo de Eurídices --
«porém prefiro John Keats.
I stood tip-tor
Upon a little hill
tem mais naturalidade.
Ruy Cinnati
À MEMÓREIA DE ANTÓNIO NOBRE
E DE CESÁRIO VERDE
Eu comi uma inglesa.
Foi em Sintra. Era feriado.
Com esparregado e essa tinta
mint-sauce. Em português,
molho de ortelã-pimenta com vinagre. Uma beleza !
Alguma batata frita.
Mas eu quis fetos arbórios,
musgo das fontes, avenca
e pétulas de camélia,
branca-rósea,
para enfeitar a travessa
e trincar, de quando em quando,das orelhas da inglesa,
dizendo: «O tempo está tão
lindo, Daisy ?»
«I like Shelley» -- dizia ela,
cheirando o colégio d´Oxford.
«Swift Summer into the Autumn flowed ..
tem tradição. Vem de Chaucer»
«Eu também gosto -- eu disse,
paraninfo de Eurídices --
«porém prefiro John Keats.
I stood tip-tor
Upon a little hill
tem mais naturalidade.
Ruy Cinnati
quarta-feira, 12 de março de 2014
1336 - ANTERO DE QUENTAL - IGLOTO DEO - SONETOS COMPLETOS
1336
«IGLOTO DEO»
Que beleza mortal se te assemelha,
Ó sonhada visão desta alma ardente,
Que reflectes em mim o teu brilho ingente,
Lá como sobre o mar o Sol se espelha ?
O mundo é grande -- e esta ânsia me aconselha
A buscar-te na Terra: e eu pobre crente,
Pelo mundo procuro um Deus clemente,
Mas a ara só lhe encontro ... nua e velha ...
Não é mortal o que eu em ti adoro.
Que és tu aqui ? olhar de piedade.
Gota de mel em taça de venenos ...
Pura essência das lágrimas que choro
E sonho dos sonhos! se és verdade,
Descobre-te, visão, no Céu no menos !
ANTERO DE QUENTAL
«IGLOTO DEO»
Que beleza mortal se te assemelha,
Ó sonhada visão desta alma ardente,
Que reflectes em mim o teu brilho ingente,
Lá como sobre o mar o Sol se espelha ?
O mundo é grande -- e esta ânsia me aconselha
A buscar-te na Terra: e eu pobre crente,
Pelo mundo procuro um Deus clemente,
Mas a ara só lhe encontro ... nua e velha ...
Não é mortal o que eu em ti adoro.
Que és tu aqui ? olhar de piedade.
Gota de mel em taça de venenos ...
Pura essência das lágrimas que choro
E sonho dos sonhos! se és verdade,
Descobre-te, visão, no Céu no menos !
ANTERO DE QUENTAL
terça-feira, 11 de março de 2014
1335 - ATENA --Paul Éluard - poemas políticos
1335
ATENA
Povo grego Povo rei povo desesperado
Nada tens a perder senão a liberdade
Teu amor pelo livre pelo justo
E o infinito respeito que sentes por ti próprio
Povo rei tu não estás na ameça da morte
Es como o teu amor és inocente
Teus corpo e coração têm fome de eterno
Povo rei que julgaste que o pão te era devido
Que te eram dadas honestamente as armas
Para salvar a honra restabelecer a lei
Povo desesperado mas um povo de heróis
Povo de esfomeados mas gulosos da pátria
Pequeno e grande à escala do teu tempo
Povo grego p´ra sempre senhor dos teus desejos
A carne e o ideal da carne conjugados
Os naturais desejos a liberdade do pão
A liberdade igual ao mar em baixo ao sol
O pão igual aos deuses o pão que junta os homens
O bem real e luminoso e mais forte que tudo
Mais forte que o sofrer que nossos inimigos.
PAUL ÉLUARD
9 de Dezembro de 1944
ATENA
Povo grego Povo rei povo desesperado
Nada tens a perder senão a liberdade
Teu amor pelo livre pelo justo
E o infinito respeito que sentes por ti próprio
Povo rei tu não estás na ameça da morte
Es como o teu amor és inocente
Teus corpo e coração têm fome de eterno
Povo rei que julgaste que o pão te era devido
Que te eram dadas honestamente as armas
Para salvar a honra restabelecer a lei
Povo desesperado mas um povo de heróis
Povo de esfomeados mas gulosos da pátria
Pequeno e grande à escala do teu tempo
Povo grego p´ra sempre senhor dos teus desejos
A carne e o ideal da carne conjugados
Os naturais desejos a liberdade do pão
A liberdade igual ao mar em baixo ao sol
O pão igual aos deuses o pão que junta os homens
O bem real e luminoso e mais forte que tudo
Mais forte que o sofrer que nossos inimigos.
PAUL ÉLUARD
9 de Dezembro de 1944
1334 - A FORMA JUSTA -Sophia de Mello Bryner Andersen
1334
A FORMA JUSTA
Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderíam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos -- se ninguém -- proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
-- Na concha na flor do homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo
Por isso recomeço sem sessar de página em branco
E este é o meu ofício de poeta para a reconstrução
do mundo
SOPHIA DE MELLO BRYNER ANDRESEN
A FORMA JUSTA
Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderíam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos -- se ninguém -- proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
-- Na concha na flor do homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo
Por isso recomeço sem sessar de página em branco
E este é o meu ofício de poeta para a reconstrução
do mundo
SOPHIA DE MELLO BRYNER ANDRESEN
segunda-feira, 10 de março de 2014
1333 - Mon Oncle d'amerique - Alain Resnais, 1980 (film complet)
1333
Mon Oncle d'Amerique - Alain Resnais, 1980 (complet Filme)
domingo, 9 de março de 2014
1332 - NESTES ÚLTIMOS TEMPOS - Sophia de Mello Breynen Andresen
1332
NESTES ÚLTIMOS TEMPOS
Nestes últimos tempos é certo a esquerda fez erros
Caíu em desmandos confusões praticou injustiças
Mas que diremos da longa tenebrosa e perita
Degradação das coisas que direita pratica ?
Que diremos do lixo do seu luxo -- de seu
Viscoso goso da nata da vida -- que diremos
De sua feroz ganância e fria possessão ?
Que diremos de sua sábia e tácita injustiça
Que diremos de seus conluios e negócios
E do utilitário uso dos seus ócios ?
?Que diremos de suas máscaras alibis e pretextos
De suas fintas labirintos e contextos ?
Nestes últimos tempos é certo a esquerda muita vez
Desfigurou as linhas do seu rosto
Mas que diremos da meticulosa eficaz expedita
Degradação da vida que a direita pratica ?
SOPHIA DE MELLO BREYNEN ANDRESEN
NESTES ÚLTIMOS TEMPOS
Nestes últimos tempos é certo a esquerda fez erros
Caíu em desmandos confusões praticou injustiças
Mas que diremos da longa tenebrosa e perita
Degradação das coisas que direita pratica ?
Que diremos do lixo do seu luxo -- de seu
Viscoso goso da nata da vida -- que diremos
De sua feroz ganância e fria possessão ?
Que diremos de sua sábia e tácita injustiça
Que diremos de seus conluios e negócios
E do utilitário uso dos seus ócios ?
?Que diremos de suas máscaras alibis e pretextos
De suas fintas labirintos e contextos ?
Nestes últimos tempos é certo a esquerda muita vez
Desfigurou as linhas do seu rosto
Mas que diremos da meticulosa eficaz expedita
Degradação da vida que a direita pratica ?
SOPHIA DE MELLO BREYNEN ANDRESEN
1331 - AS TROMPAS DE ARTEMIS - VERSÕES DE HERBERTO HELDER
1331
-AS TROMPAS DE ARTEMIS-
(Robert Duncan)
Lá onde a grande Artemis cavalga
nua, claro lago da dama radiosa
despertando os amantes, caçadores
e caçados
as trompas ressoam ple noite fora.
Ou são apenas os cláxons longínquos ?
evolando-se e insistindo entanto,
apelo às vozes do coração.
passeios durante a noite
num indefido desejo.
ou os cornos do amante traído.
coroa dolorosa\da sagrada Lua ?
Estamos agora acordados.
Somos os Reis
-- bobos, poetas, loucos
Eis a dama.
suas voluptuosas chicotadas, seus grandes
olhos fixos brilhando nos jogos da noite
Confundem-se nun só
e urso que sangra e a matilha
Os caçadores nas armaduras cavalgam até à morte
Foi-se o amor.
Os amantes tremem
Resta a verdade, a eterna
fria luz que sobre o mundo se expande
Versões de Herberto Helder
sábado, 8 de março de 2014
1330 - CARLOS DE OLIVEIRA - XÁCARA DAS BRUXAS DANÇANDO
1330
XÁCARA DAS BRUXAS DANÇANDO
1
Era outrora um conde
que fez um país.
com sangue de moiro,
com laranjas de oiro,
como a sorte quiz.
Há bruxas que dançam
quando a noite dança,
são unhas de nojo,
são bicos de tojo,
no tambor da esperança
Ventos sem destino
que dizeis às ramas ?
Desgraça bramindo
é a nós que chamas.
No país de outrora
um conde teceu,
as laranjas de oiro
são bruxas de agoiro
e fúrias do céu.
Anda o sol de costas
e as bruxas dançando
e os ventos do norte
sobre nós espalhando
as tranças de morte.
As estrelas mortas
apagam-se aos molhos:
vem, lume perdido,
florir-nos os olhos.
2
Ama, estarás ouvindo
a história que vou contando ?
Ó ama pátria dormindo
desde quando ?
Desde tempos e memórias,
desde lágrimas e histórias,
desde raivas e glórias,
agora te estou chorando
e tu dormindo
até quando ?
As bruxas andam lá fora
e eu chorando
versos do país de outrora.
Dançam bruxas a ganir
de mãos dadas com o vento.
Ama, acorda; sopra o lume;
e não me deixes dormir
na noite do pensamento.
XÁCARA DAS BRUXAS DANÇANDO
3
Ó castelos moiros,
armas e tesoiros,
quem vos escondeu ?
Ó laranjas de oiro,
que ventos de agoiro
vos apodreceu ?
Há choros, ganidos,
à luz da caverna
onde as bruxas moram,
onde as bruxas dançam
quandravelaso os mochos amam
e as pedras choram.
Caravelas, caravelas,
mortas sobre as estrelas
como candeias sem luz.
E os padres da inquisição
fazendo dos vossos mastros
os braços da nossa cruz.
As bruxas dançam de roda
entre o visco dos morcegos,
dançam de roda raspando
as unhas podres de tojo
na noite morta do povo
como um tambor de rojo
4
E o tempo murchando
à luz de idos loiros.
Ama, até quando
estaremos chorando
os castelos moiros ?
Lá vão naus da Índia,
lá se vão tesoiros.
E as bruxas dançando
e os ventos secando
as laranjas de oiro.
Ama, até quando ?
Na noite das bruxas
olume no fim
e o vento ganindo.
Ama, estarás ouvindo ?
O lume no fim
e os homens dispersos
Ama, tens frio,
cinge-te a mim
e aquece-te ao lume
queimando os meus versos.
CARLOS DE OLIVEIRA
XÁCARA DAS BRUXAS DANÇANDO
1
Era outrora um conde
que fez um país.
com sangue de moiro,
com laranjas de oiro,
como a sorte quiz.
Há bruxas que dançam
quando a noite dança,
são unhas de nojo,
são bicos de tojo,
no tambor da esperança
Ventos sem destino
que dizeis às ramas ?
Desgraça bramindo
é a nós que chamas.
No país de outrora
um conde teceu,
as laranjas de oiro
são bruxas de agoiro
e fúrias do céu.
Anda o sol de costas
e as bruxas dançando
e os ventos do norte
sobre nós espalhando
as tranças de morte.
As estrelas mortas
apagam-se aos molhos:
vem, lume perdido,
florir-nos os olhos.
2
Ama, estarás ouvindo
a história que vou contando ?
Ó ama pátria dormindo
desde quando ?
Desde tempos e memórias,
desde lágrimas e histórias,
desde raivas e glórias,
agora te estou chorando
e tu dormindo
até quando ?
As bruxas andam lá fora
e eu chorando
versos do país de outrora.
Dançam bruxas a ganir
de mãos dadas com o vento.
Ama, acorda; sopra o lume;
e não me deixes dormir
na noite do pensamento.
XÁCARA DAS BRUXAS DANÇANDO
3
Ó castelos moiros,
armas e tesoiros,
quem vos escondeu ?
Ó laranjas de oiro,
que ventos de agoiro
vos apodreceu ?
Há choros, ganidos,
à luz da caverna
onde as bruxas moram,
onde as bruxas dançam
quandravelaso os mochos amam
e as pedras choram.
Caravelas, caravelas,
mortas sobre as estrelas
como candeias sem luz.
E os padres da inquisição
fazendo dos vossos mastros
os braços da nossa cruz.
As bruxas dançam de roda
entre o visco dos morcegos,
dançam de roda raspando
as unhas podres de tojo
na noite morta do povo
como um tambor de rojo
4
E o tempo murchando
à luz de idos loiros.
Ama, até quando
estaremos chorando
os castelos moiros ?
Lá vão naus da Índia,
lá se vão tesoiros.
E as bruxas dançando
e os ventos secando
as laranjas de oiro.
Ama, até quando ?
Na noite das bruxas
olume no fim
e o vento ganindo.
Ama, estarás ouvindo ?
O lume no fim
e os homens dispersos
Ama, tens frio,
cinge-te a mim
e aquece-te ao lume
queimando os meus versos.
CARLOS DE OLIVEIRA
1329 - A MÁSCARA - AUGUSTO GIL
1329
A M Á S C A R A
Por acaso, parou na minha frente,
De loup e dominó de seda negra,
Uma mulher de olhar resplandecente
E mento breve de figura grega.
Tomei-lhe as mãos esguias entre as minhas ...
E os seus olhos doirados reluziram
Como os punhais ao sol, quando se tiram,
Aguçados e frios, das bainhas.
-- Máscara, quem és tu ?
-- E tu quem és ? ...
-- Um homem que te viu e te deseja ...
E um riso bago, de desdém talvez,
floriu na sua boca de cereja.
Ergui-lhe as mãos ascéticas. Beijei-as.
Em vibrações entrecortadas, secas,
Tiniam taças irisadas, cheias.
E uma frase de amor, toda em colcheias,
Vibrava nas arcadas das rabecas.
Leveia para o vão duma janela.
-- Máscara, quem és tu ?
-- Para que insistes ? ...
Outro riso subiu dos labios dela
Aos olhos enigmáticos e tristes.
E descobriu a face. No capuz
Emoldurou-se um rosto lindo e sério.
Que dif´rente porém do que eu supus !
A gente nunca deve entrar com luz
Nos divinos encantos do mistério ...
AUGUSTO GIL
A M Á S C A R A
Por acaso, parou na minha frente,
De loup e dominó de seda negra,
Uma mulher de olhar resplandecente
E mento breve de figura grega.
Tomei-lhe as mãos esguias entre as minhas ...
E os seus olhos doirados reluziram
Como os punhais ao sol, quando se tiram,
Aguçados e frios, das bainhas.
-- Máscara, quem és tu ?
-- E tu quem és ? ...
-- Um homem que te viu e te deseja ...
E um riso bago, de desdém talvez,
floriu na sua boca de cereja.
Ergui-lhe as mãos ascéticas. Beijei-as.
Em vibrações entrecortadas, secas,
Tiniam taças irisadas, cheias.
E uma frase de amor, toda em colcheias,
Vibrava nas arcadas das rabecas.
Leveia para o vão duma janela.
-- Máscara, quem és tu ?
-- Para que insistes ? ...
Outro riso subiu dos labios dela
Aos olhos enigmáticos e tristes.
E descobriu a face. No capuz
Emoldurou-se um rosto lindo e sério.
Que dif´rente porém do que eu supus !
A gente nunca deve entrar com luz
Nos divinos encantos do mistério ...
AUGUSTO GIL
1328 - CARLOS DE OLIVEIRA - TRABALHO POÉTICO
1328
NEVOEIRO
A cidade caía
casa a casa
do céu sobre as colinas.
constrida de cima para baixo
por chuvas e neblinas,
encontrava
a outra cidade que subia
do chão com o luar
das janelas acesas
e no ar
o choque as destruía
silenciosamente,
de modo que se via
apenas a cidade inexistente.
CARLOS DE OLIVEIRA
NEVOEIRO
A cidade caía
casa a casa
do céu sobre as colinas.
constrida de cima para baixo
por chuvas e neblinas,
encontrava
a outra cidade que subia
do chão com o luar
das janelas acesas
e no ar
o choque as destruía
silenciosamente,
de modo que se via
apenas a cidade inexistente.
CARLOS DE OLIVEIRA
sexta-feira, 7 de março de 2014
1327 - LUAR DE JANEIRO - AUGUSTO GIL
1327
Luar de Janeiro,
Fria claridade ...
À luz dele foi talvez
Que primeiro
A boca dum português
Disse a palabra saudade ...
Luar de platina;
Luar que alumia
Mas que não aquece,
Fotografia
De alegre menina
Que há muitos anos já ... envelhecesse.
Luar de Janeiro
O gelo tornado
Luminosidade ...
Rosa sem cheiro
Amor passado
De que ficou apenas a amizade ...
Luar das nevadas,
Álgido e lindo,
Janelas fechadas,
Fechadas as portas,
E ele fulgindo,
Límpido e lindo
Como boquinhas de crianças mortas,
Na morte geladas
-- E ainda sorrindo ...
Luar de Janeiro,
Luzente candeia
De quem não tem nada,
-- Nem o calor dum braseiro,
Nem pão duro para a ceia
Nem uma pobre morada ...
Luar dos poetas e dos miseráveis ...
Como se um laço estreito nos unisse,
São semelháveis
O nosso mau destino e o que tens;
De nós, da nossa dor, a turba -- ri-se
-- E a ti, sagrado luar ... ladram-te os cães!
Luar de Janeiro,
Fria claridade ...
À luz dele foi talvez
Que primeiro
A boca dum português
Disse a palabra saudade ...
Luar de platina;
Luar que alumia
Mas que não aquece,
Fotografia
De alegre menina
Que há muitos anos já ... envelhecesse.
Luar de Janeiro
O gelo tornado
Luminosidade ...
Rosa sem cheiro
Amor passado
De que ficou apenas a amizade ...
Luar das nevadas,
Álgido e lindo,
Janelas fechadas,
Fechadas as portas,
E ele fulgindo,
Límpido e lindo
Como boquinhas de crianças mortas,
Na morte geladas
-- E ainda sorrindo ...
Luar de Janeiro,
Luzente candeia
De quem não tem nada,
-- Nem o calor dum braseiro,
Nem pão duro para a ceia
Nem uma pobre morada ...
Luar dos poetas e dos miseráveis ...
Como se um laço estreito nos unisse,
São semelháveis
O nosso mau destino e o que tens;
De nós, da nossa dor, a turba -- ri-se
-- E a ti, sagrado luar ... ladram-te os cães!
segunda-feira, 3 de março de 2014
1325 - NESTA HORA
1325
NESTA HORA
Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda
Mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo
Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio
E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade
Meia verdade é como habitar meio quarto
Ganhar meio salário
Como só ter direito
A metade da vida
O demagogo diz da verdade a metade
E o resto joga com habilidade
Porque pensa que o povo só pensa metade
Porque pensa que o povo não percebe nem sabe
do mar do ar
A verdade não é uma especialidade
Para especializados clérigos letrados
Não basta gritar povo e presisoo expor
Partir do olhar da mão e da razão
Partir da limpidez do elementar
Como quem parte do sol do mar do ar
Como quem parte da terra onde os homens estão
Para construir o canto do terrestre
- Sob o ausente olhar silente de atenção -
Para construir a festa do terrestre
Na nudez de alegria que nos veste
SOPHIA DE MELLO BRYNER ANDERSEN
20 de Maio de 1974
NESTA HORA
Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda
Mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo
Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio
E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade
Meia verdade é como habitar meio quarto
Ganhar meio salário
Como só ter direito
A metade da vida
O demagogo diz da verdade a metade
E o resto joga com habilidade
Porque pensa que o povo só pensa metade
Porque pensa que o povo não percebe nem sabe
do mar do ar
A verdade não é uma especialidade
Para especializados clérigos letrados
Não basta gritar povo e presisoo expor
Partir do olhar da mão e da razão
Partir da limpidez do elementar
Como quem parte do sol do mar do ar
Como quem parte da terra onde os homens estão
Para construir o canto do terrestre
- Sob o ausente olhar silente de atenção -
Para construir a festa do terrestre
Na nudez de alegria que nos veste
SOPHIA DE MELLO BRYNER ANDERSEN
20 de Maio de 1974
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