terça-feira, 1 de novembro de 2011

249-VERGÍLIO FERREIRA

249-No Fundo Somos Bons Mas Abusam de Nós O comum das gentes (de Portugal) que eu não chamo povo porque o nome foi estragado, o seu fundo comum é bom. Mas é exactamente porque é bom, que abusam dele. Os próprios vícios vêm da sua ingenuidade, que é  onde a bondade também mergulha. Só que precisa sempre de lhe dizerem onde aplicá-la. Nós somos por instinto, com intermitências de consciência, com uma generosidade e delicadeza incontroláveis até ao ridiculo, astutos, comunicáveis até ao dislate, corajosos até à temeridade, orgulhosos até à petulância, humildes até à subserviência e ao complexo de inferidade. As nossas virtudes  têm assim o seu lado negativo, ou seja, o seu vício. É normalmente se explora para o pitoresco, o ruralismo edificante, o sorriso superior. Toda a nossa literatura popular é disso que vive.
Mas, no fim de contas, que é que significa cultivarmos a nossa singularidade
na «civilzação planetária»? Que significa o regionalismo da rádio e da TV? O rasoiro que nivela  a província é o que igualiza as nações. A anulação do indivíduo de facto é o nosso imediato horizonte. Estrutaralismo, linguística, freudismo, comunismo, tecnocracia são faces da mesma relidade. Como no Egipto, na Grécia, na Idade Média, o indivíduo submerge-se no colectivo. A diferença é que esse colectivo é hoje o puro vazio.


Vergílo Ferreira, in `Conta-Corrente 2`

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